Nascido no ano da (des)graça de 1971, Renato Filipe Cardoso é, no universo da poesia, uma das suas estrelas mais cintilantes. Ou, dito de forma mais certeira e colocando um pouco menos de glitter, mais provocantes. Autor de diversas publicações em jornais, revistas literárias e antologias poéticas, bem como de alguns contos e diversos livros de poesia, tem participado como poeta convidado, conferencista e/ou dizedor em diversos eventos e festivais literários, fazendo dele um dos mais requisitados stand up poetriants (acabámos de inventar isto). Foi jornalista e publicitário, sendo actualmente locutor comercial e apresentador de televisão, poeta, dizedor e editor. Em 2007 fundou a Texto Sentido, uma microeditora que está longe de o tornar mais rico, e a Voz-off®, agência de locução e voz que tem a missão de pagar as contas e tudo o resto.
Na edição deste ano do Arquipélago de Escritores, Renato Filipe Cardoso sentou-se na esplanada do Café O Internacional para uma Conversa na Fronteira, conduzida por Ana Cristina Gil (Professora Associada da Universidade dos Açores (UAc), onde tem leccionado disciplinas nas áreas da Cultura Portuguesa, Jornalismo e Língua Portuguesa), que levou os participantes numa viagem por um percurso literário com muitos quilómetros, contra-relógios e etapas de montanha.
Na apresentação, e fazendo uso das palavras de Eduardo Lourenço, Ana Cristina Gil falou da “aventura da linguagem”, destacando na poesia de Renato Filipe Cardoso a capacidade de, com as coisas do dia a dia, criar efeitos inusitados, numa obra com muitas imagens e metáforas e que possui a “capacidade enorme de surpreender o leitor”. Uma obra que “pensa também Portugal, com poemas mais políticos e interventivos”, e que olha para “a sociedade contemporânea e os seus vícios”.
Foi no Pinguim Café, lugar da cidade do Porto onde se diz poesia há 35 anos ininterruptos, que Renato despertou para a poesia. “Um caldeirão poético. Era inevitável que a poesia se tornasse algo de vital para mim”. Porém, entre o fenómeno mimético e a vergonha da publicação, acabou por mostrar o primeiro livro quando havia já dobrado o cabo dos quarenta, altura em que sentiu ter maturado “essa voz própria”.
Sempre muito crítico no que diz respeito ao ensino da poesia das escolas, considera que “os miúdos não têm os mesmos referenciais dos poemas que estudam. Aprendem a não gostar de poesia. Falta a aprendizagem para a fruição”. Mas o que tem, afinal, de especial a poesia? “A poesia obriga-nos a usar os nossos próprios argumentos, numa solidão sincronizada – a minha definição de poesia. Ninguém consegue vestir a nossa pele, e a poesia é uma forma de nos tocarmos uns aos outros” – sem mãozinhas, claro, que estes são tempos para ter cuidado extra.
Recusando a poesia como exercício estético, relembra a oralidade e a proximidade como elementos fundadores da linguagem poética, aproveitando a embalagem para um olhar sobre o mundo editorial. “O mercado livreiro está centrado nos escritores e não nos leitores, o que promove o culto do ego. Temos escritores que seriam óptimos candidatos a Nobel e que vendem 400 livros por ano”. Isto sem esquecer “o mundo profissionalizado e viciado dos prémios”.
Porém, nem mesmo todas as contrariedades do mundo retiram o optimismo poético e de vida a Renato Filipe Cardoso, que afirmou que as tertúlias são, ainda, uma realidade de peso, e que “existe um tipo de poesia para todos nós. Existem caminhos para aproximarmos as pessoas da escrita”. Como aconteceu quando lançou “Cavalo de Troika” em Paredes de Coura, entre muita música e ainda mais cerveja, e que mostrou a “miúdos de 16, 18, 20 anos” que a poesia não tem de ser aquele bicho estranho do zoo literário. “A escrita tem de ter o papel de desassossegar”.
Sobre a sua linhagem literária, antes de destacar Herberto Helder como o poeta de eleição – ou de Ana Cristina Gil ter referido os “Contos do Gin-Tonic”, de Mário-Henrique Leiria -, Renato brincou dizendo que lia Tino de Rãs, nem que seja por ter inventado o melhor slogan de sempre: o país precisa de Tino. Ainda houve tempo para sonharmos com uma das suas playlists para dormir – onde se deita boa gente como The Smiths, Tom Waits ou Micah P. Hinson – , conhecer a Casa da Poesia – um projecto de vida que poderá estar para breve – ou escutar, em jeito de última para o caminho, uma anedota que poderia muito bem ser um verso para ser sprayado nas paredes do mundo: “Os The Doors são a banda preferida dos jeovás”.
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