“Uma figura fascinante. Um dos bons malandros do Bairro Alto. Um herói e uma inspiração”. Foi desta forma que Nuno Artur Silva apresentou Dinis Machado, escritor que, tal como Macaulay Culkin ficou para sempre Sozinho em Casa, será eternamente lembrado como o tipo que escreveu “O Que Diz Molero”.
“Qual é o lado mais cómico disto?” foi o título da entrevista a Nuno Artur Silva, um dos mais importantes nomes da escrita humorística em Portugal, conduzida por Nuno Costa Santos no Arquipélago de Escritores. O nome foi precisamente sacado a um texto de Dinis Machado, que Nuno Artur Silva leu no seu funeral após a intervenção divina – e diplomática – de José Tolentino Mendonça, que evitou que Dinis Machado, um anticlerical de primeira, fosse alvo de uma cerimónia religiosa com muitos Pais-nossos e ainda mais Avé-Marias.
Apontando“O Que Diz Molero” como um dos grande romances do pós 25 de Abril, relembrou a epifania literária vivida por volta dos 17 anos de idade, e que lhe mostrou o caminho que queria trilhar: “Nunca um livro me causou tanto impacto. O mundo do meu pai, as referências do cinema, da banda desenhada, da literatura. Estava lá tudo. A linguagem em celebração total”.
A oportunidade de reinventar e homenagear “O Que Diz Molero” surgiu em 1994, na Lisboa capital europeia da cultura, numa peça que contou com José Pedro Gomes e António Feio nos papeis principais e desenhos, em tempo real, do ilustrador António Jorge Gonçalves. Uma peça habitada por personagens fascinadas com uma dimensão que desconheciam: o tempo.
Quando a peça estreou no Porto, recorda que a certa altura ninguém sabia de Dinis Machado, e que mais tarde perceberam que tinha ido para o hotel ver o jogo do Sporting. Um episódio caricato – um de muitos – de que Nuno Artur Silva se serve para falar do humor como uma forma de encontrar a redenção, oferecendo uma muito simples e certeira definição do que é o humor: “uma dose mínima de felicidade instantânea”.
Mas nem só de Dinis Machado se fez esta conversa de vida. Relembrou-se a Assírio &Alvim e os tempos em que não existia uma tradição de a poesia ser lida em público, excepção feita a Manuel Alegre e a Al Berto; a altura em que entrou para a televisão, onde percorreu uma linha equilibrista entre duas coisas e coisa nenhuma – irremediavelmente perdido para as gentes da literatura, demasiado intelectual para os tipos da televisão; as várias sátiras a figuras de monta, como aquela que fez a Baptista-Bastos a partir do “onde é que estavas no 25 de Abril?“; a escrita para Herman José; o nascimento das Produções Fictícias, fase que correspondeu a “um período rock n roll”; o humor televisivo, do qual retirou o slogan “fazer humor em sketches é como comer açúcar em pacote”; a tareia inicial das audiências que a Herman Enciclopédia levou do Big Show Sic – “Estávamos a perder para o macaco”; o inesperado globo de ouro atribuído a Herman Enciclopédia, entregue a uma modelo contratada à Central Models, num genial golpe de marketing algo involuntário que fez com que deixassem de ser conhecidos como os rapazes do Herman; a força da televisão para o reconhecimento dos guionistas; o sentir-se um dos bonecos do Contra-Informação, isto quando foi tirar a foto da praxe ao entrar para o Governo; as perseguições e ameaças motivadas por piadas sobre bola ou políticas. Uma série de peripécias que o fez começar a olhar, para a sua vida, como “um mau guião com desenlaces imprevisíveis e muitas reviravoltas”.
Na sua passagem pela RTP, realça a volta de 180 graus dada ao Festival da Canção, com a ajuda do comissariado de Henrique Amaro e Nuno Galopim, isto num meio onde as telenovelas iam ganhando aos pontos a tudo o resto. “Era preciso criar políticas de incentivo para criar todos os géneros que não existiam cá. Era nisso que acreditava. Na força das sociedades e na capacidade de criar mitologias inspiradoras. Continuo a achar que no cinema e no audiovisual continuamos mal”.
Quando à política, a melhor forma de ilustrar a coisa é talvez recorrer a uma série mítica assinada pela BBC. “Aquilo é muito Yes Minister, há muitos Mr. Humphrey`s. As pessoas que não são políticos profissionais querem fazer muitas coisas. As outras querem fazer carreira. Mas ambas são necessárias. O problema das democracias é o de se tornar todos iguais, o que conduz ao descrédito da política. Não pode haver o nós e eles. Isso abre caminho para populismos perigosos”. Nuno Costa Santos ainda brincou com a imagem obsessiva de Nuno Artur Silva a arrumar os objectos da sua secretária, isto enquanto o caos criativo se vai instalando à sua volta. “O meu amigo psiquiatra disse-me que, se for só isto, então será uma das maneiras mais porreiras de enlouquecer”.
Fotos: Luísa Velez
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