Continua em grande a série de homenagem a Lucky Luke, na qual diversos autores têm reinventado as histórias do cowboy que dá bailes de rapidez à sua própria sombra. “Os Choco-Boys” (A Seita, 2022), álbum entregue a Ralf König, é o quinto – e até agora último – volume da série, publicada em Portugal com o selo da editora A Seita. Um álbum que tem o seu quê de “O Segredo de Brokeback Mountain”, e que nos apresenta a uma realidade que não costuma aparecer nos manuais de história ou em filmes de índios e cowboys: a homossexualidade.
Cabe a Terrence e Bud, um casal já entradote, recordar o momento em que Lucky Luke entrou nas suas vidas, não sem que antes Terrence, para quem Luke tinha um bom cachaço para se trincar, recuse qualquer atracção pelo destemido cowboy, colocando gelo num possível ataque de ciúmes: era “muito magro e sem rabo”.
Tudo começa em Straight Gulch, uma simpática povoação habituada a colar cartazes como “Estranho! Se não queres a corda na garganta, dá corda aos sapatos”. Bud, habituado a ser descriminado por ser gay, conhecerá Lucky Luke quando este o sub-contrata para irem tomar conta de umas vacas muito especiais, que apresentarão à América a “fina chocolateria suiça”. Para Luke trata-se de um trabalho que sabe a férias, acabando por se ver no papel de confidente a Bud, que lhe irá falar da sua relação complicada com um amigo especial, não tendo Luke qualquer problema com as preferências sexuais do companheiro de viagem. “O amor é assim… desde que não me apalpem”.
Ralf König inclui vários momentos de humor refinado, como quando brinca com a proibição de Luke atirando-lhe com cigarros de chocolate, vestindo-o com um long john – uma roupa interior com o ar de fato-treino – ou quando Lucky responde a um caçador de autógrafos – e fã incondicional – que não é ele que desenha as suas próprias histórias.
Uma história com balões de diálogo bem desenhados onde há comboys gay, índias queer, vacas que preferem o lilás ou o velho chefe Sitting Butch da tribo dos Chicory, para além de darmos de caras com o clássico “Calma, Joe” ou um Jolly Jumper que, por esta altura, está a ficar com barriga. Para além de ser uma história contra a moral e o preconceito, atira também uma bela tirada a todas as Claras Ferreiras Alves desta vida: “Aqui só lidamos com alta literatura, Sr. Dalton! Lírica e poesia não se transmitem bem através de balões em histórias aos quadradinhos”.
“A população do faroeste era bem mais heterogénea do que se pensa. O mito da promessa de liberdade do Oeste atraiu pessoas de todas as cores do mundo inteiro, entre as quais os que tiveram de abandonar a sua pátria por este ou aquele motivo, ou decidiram tentar a sorte noutras paragens. Cowboys homossexuais existiram, de facto, bem como pistoleiras lésbicas e nativo-americanos de afins preferências sexuais. Em suma, o faroeste era um lugar bem colorido. As histórias de Bud e Terry, Sitting Butch e Calamity Jane e Buffalo Bitch, podiam perfeitamente ter acontecido. Só a parte das vacas suíças em vales viçosos é que é capaz de ter sido inventada.” – Ralf König
Nascido em 1960 em Soest, Ralf König desenhou demasiados Patos Donald na infância e, após um período demasiado curto como aprendiz de carpinteiro (isto de acordo com os pais), foi inesperada e subitamente admitido na Escola de Artes de Düsseldorf, onde conseguiram que se portasse bem ao longo de 5 anos, fornecendo-lhe aguarelas, plasticina e livros para colorir. Os professores nem deram por ele, mas fartou-se de ilustrar banda desenhada. Apesar de uma predisposição para o mesmo sexo e um excesso de imaginação comprovados, libertaram-no após dez semestres. Desde então, tem massacrado o público alemão e do estrangeiro com as suas figuras hedonistas e desinibidas de nariz abatatado, o que, em 1993, lhe mereceu a acusação do Escritório do Bem-Estar da Juventude Bávaro de normalizar a homossexualidade e discriminar a heterossexualidade (a liberdade artística safou-o dessa). Ralf König vive e faz os seus rabiscos em Colónia, felizmente sem ser molestado pelas autoridades.
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