Bram Stoker (1847-1912) tornou-se célebre pelo romance epistolar de terror “Drácula”, mas é digno de igual reconhecimento como autor de contos arrepiantes, conforme podemos constatar pela leitura de “O Convidado de Drácula e Outras Histórias Estranhas” (Grupo Narrativa, 2022), uma compilação de nove textos publicados postumamente por iniciativa da sua viúva, Florence Stoker.
O primeiro, “O Convidado de Drácula”, não é propriamente um conto, mas sim um episódio retirado da versão final de “Drácula”, devido à extensão dessa obra. Quem a conhecer perceberá que o narrador deste texto é o escrivão Jonathan Harker, aqui a atravessar a Baviera em direcção à Roménia – onde o espera um cliente que não é outro senão o conde vampiro –, e adorará ler este pormenor da viagem, mas mesmo aqueles que não estão familiarizados com a história poderão apreciar o desenvolvimento de uma atmosfera cada vez mais sinistra.
O terror que povoa os contos é de natureza diversificada, não surgindo mais criaturas lendárias após o texto de abertura. Em “O Enterro das Ratazanas”, ele nasce da bestialidade a que muitos seres humanos descem quando remetidos à mais profunda miséria, dispensando elementos sobrenaturais. Por outro lado, os dons proféticos desempenham um papel importante em “A Profecia da Cigana” e “As Areias de Crooken”. “A Squaw” centra-se na vingança de um animal. Em “A Casa do Juiz”, a ameaça assume uma forma animal, mas a sua origem é a maldade humana pura. “O Segredo do Ouro que Cresce” e “A Chegada de Abel Behenna” tratam de crimes e vinganças de além-túmulo, mas também temos um caso de um assassino penitente que encontra redenção, em “Um Sonho de Mãos Vermelhas”.
Os protagonistas tendem a ser homens ingleses, confiantes na racionalidade do mundo até enfrentarem situações bizarras, muitas vezes quando se encontram longe do seu meio habitual. “A Walpurgis Nacht não diz respeito a um inglês”, declara o viajante no texto de abertura, com sobranceria cultural, em relação à crença germânica na noite em que o diabo anda à solta e os mortos se erguem dos túmulos.
“Alguém que está a tirar o bacharelato em Matemática não tem tempo para distrações com «coisas» misteriosas”, declara o estudante que arrenda “A Casa do Juiz”, quando toma conhecimento dos temores da gente local acerca do edifício. Em oposição, o protagonista de “O Enterro das Ratazanas” conquista uma oportunidade de escapar a um destino macabro por prestar atenção aos seus pressentimentos: “O mal-estar é um instinto que serve como aviso. As faculdades psíquicas são muitas vezes as sentinelas do intelecto”.
O último conto, “As Areias de Crooken”, revela um sentido de humor delicioso, ao mesmo tempo que subverte o mito do duplo que prenuncia a morte. Embora Stoker já tenha mostrado uma veia satírica – por exemplo, na caracterização do turista americano fanfarrão e imprudente de “A Squaw” –, este alívio cómico dos ambientes inquietantes que tão eximiamente construiu é uma agradável surpresa, que nos deixa emergir do desafio aos nossos medos com um sorriso nos lábios.
Sem Comentários