Décadas depois de ter sido descoberto e publicado, O Diário de Ane Frank continua a ser um dos mais lidos, celebrados e adaptados legados literários, um testemunho vivo para que o passado nunca seja esquecido ou olhado de forma desapegada. Já este ano, chegou às livrarias – com o selo da Livros do Brasil – uma edição especial em capa dura, comemorativa dos 75 anos da publicação do Diário.
Para além da literatura, também a banda desenhada tem servido para apresentar – sobretudo aos mais jovens – esta figura que se tornou um símbolo da resistência. Após a adaptação de O Diário de Anne Frank para novela gráfica, feita pela dupla Ari Folman e David Polonsky, chegou às livrarias “À Procura de Anne Frank” (Porto Editora, 2022). Um livro que parte, igualmente, do diário, mas que se centra na figura de Kitty, a amiga imaginária a quem Anne Frank dirigiu o seu diário, como mostra uma entrada de 20 de Junho de 1942: “Para definir a imagem deste amigo há muito esperado na minha imaginação, não quero simplesmente apontar os factos neste diário como a maioria das pessoas faria, mas quero que o diário seja como uma amiga, e vou chamar a essa amiga Kitty”.
O argumento de Ari Folman parte desta declaração inicial de Anne Frank, e transporta Kitty para o tempo presente e para a cidade de Amesterdão, quando uma estranha tempestade assola a capital dos Países Baixos e quebra o vidro que protege o diário guardado na Casa de Anne Frank. Servindo-se das memórias a si confiadas por Anne Frank, Kitty percorre as ruas da cidade e, com amigos que vai fazendo pelo caminho, irá compreender o que foi o Holocausto, o que este significou para Anne e o que, passados 75 anos, esta continua ainda a significar para sucessivas gerações.
Nesta viagem desenhada por Lena Guberman, Ari Folman recorda a subida dos nazis ao poder, e todos os problemas do mundo – doença, fome, pobreza – que foram então imputados aos judeus; a casa partilhada por Anne e família com os Van Daan, da qual fazia parte um tipo obcecado por salsicha fumada e malcheirosa, um adolescente que, de tão hipocondríaco, parecia ter 78 anos e uma madame que agia como uma diva à espera de ser descoberta por um grande estúdio americano; os campos de concentração e de extermínio; o amor de Anne pelo pai e a desdita perante a mãe; o princípio do fim da guerra, com a sangrenta batalha de Leninegrado; ou o maior dos ensinamentos deixados a Anne Frank pelo seu pai: “O teu maior poder é a tua imaginação. Talvez possas usá-la para controlar os teus medos”.
Um livro que, segundo Ari Folman, partiu do desejo de continuar a contar a história de Anne Frank e de representar o Holocausto, isto num tempo em que, segundo o autor e realizador, “o negacionismo em relação ao Holocausto continua a crescer”, bem como o ressurgimento – talvez nunca extinto – do anti-semitismo, uma intolerância que se vai estendendo a outras vítimas numa “instigação deliberada com base em raça, religião ou cor da pele”. Para além da versão em banda desenhada, “À Procura de Anne Frank” chegou também às salas de cinema em versão animada.
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