Quando se pensou que o sumo tinha já sido todo espremido, eis que Isaac Asimov desencantou mais um saco de laranjas e, pegando na garrafa de vodka, num shaker e nuns cubos de gelo que poderiam ser de rubik, nos serve mais um cocktail de eleição.
Para quem apenas agora mergulhou na série Fundação, parecia ser impossível superar a trilogia primeira. A verdade é que Isaac Asimov subiu a parada em “Limites da Fundação” (Saída de Emergência, 2022), e só nos resta esperar agora que a Saída de Emergência publique “Fundação e Terra” que, juntamente com este volume, levanta a ideia de uma colonização terráquea da galáxia em duas frentes: uma apenas com humanos, a segunda com robots.
É um daqueles raros casos em que aquilo que se lê na capa não dá cabo das expectativas pré-leitura: o melhor livro de ficção científica de sempre. Escrita por Isaac Asimov, a série Fundação foi originalmente composta por um grupo de oito histórias que, entre Maio de 1942 e Janeiro de 1950, foram publicadas na revista Astounding Magazine. Uma história que, segundo o próprio, partiu da leitura de “Declínio e Queda do Império Romano”, de Edward Gibbon. Em 1951, a editora Gnome juntou as quatro primeiras histórias com uma quinta inédita, formando o primeiro livro: “Fundação”. As outras quatro histórias, reescritas, tornaram-se os livros “Fundação e Império” e “Segunda Fundação”, resultando numa trilogia que levou para casa o prémio HUGO para melhor série de ficção científica e fantasia, corria então o ano de 1966. Uma trilogia que, depois de uma longínqua edição pela saudosa colecção Argonauta Gigante, tem vindo desde há uns anos a ser publicada com o selo da Saída de Emergência. Durante as década de 60 e 70, Asimov adaptou as datas de todas as suas histórias – incluindo as datas da trilogia da fundação –, formando uma única narrativa cronológica de todo o universo de livros criado por ele. “Limites da Fundação” e “Fundação e Terra” vieram depois dessa mudança, encerrando então esta série imperdível para quem gosta de ficção científica.
Para avivar a memória, “Limites da Fundação” oferece um prólogo em jeito de resumo: “O Primeiro Império-Galáctico estava em queda. Entrara em decadência e em ruptura havia séculos e apenas um único homem compreendera o facto integralmente” – esse homem foi Hari Seldon, o responsável pela criação da psico-história, ciência que reduziu o comportamento humano a equações matemáticas.
Na trilogia da Fundação, anteriormente publicada, é contada a história dos primeiros quatro séculos do Interregno, que irá durar durar, graças a Seldon, apenas 1000 anos (em vez dos 30000). Em “Limites da Fundação” “passaram agora quatrocentos e noventa e oito anos após o surgimento da Primeira Fundação. Ela está no auge da sua força, mas um homem não aceita as aparências…”. Esse homem é Golan Trevize, um descrente pouco contido que obrigará Harla Branno, presidente do Conselho Executivo e “a administradora mais capaz do planeta”, a tomar medidas extremas, mostrando que a liberdade de expressão tem os dias mais ou menos contados. A grande questão que Golan levanta é a seguinte: será que existe mesmo um Plano Seldon, ou não passará este de um subterfúgio para fins maiores e mais obscuros?
Na companhia de Janov Pelorat, um historiador que parece viver também segundo uma crença inverosímil – a existência da Terra -, Golan Trevize parte com uma dupla missão: descobrir a Terra, o planeta de origem, mas também o lugar onde se esconde, afinal, a Segunda Fundação.
Paralelamente acompanhamos a história de Gendibal que, a caminho dos 31 anos, mantém vivo o sonho de se tornar Primeiro Orador. Para ele, o Plano Seldon não tem qualquer sentido, precisamente por não apresentar qualquer falha. E, um pouco à semelhança de Trevize, afirma que “o avanço da civilização não é senão um exercício de limitação da privacidade”.
Juntando estas duas histórias paralelas de exílio que, a dado momento, se irão inevitavelmente cruzar, Asimov volta a surpreender o leitor, num livro que tanto ironiza a relação do homem com a energia nuclear como, de forma inesperadamente visionária, nos antecipou a dificuldade moderna no uso de pronomes. Que “Fundação e Terra” chegue depressa às livrarias.
“Fliz, que olhava a direito, disse calmamente:
Eu sei, Trev, que suspeitava que eu/nós/Gaia tínhamos interesse em si.
Eu/nós/Gaia? – disse Pelorat suavemente.
Ela voltou-se para ele com um sorriso.
– Temos todo um complexo de pronomes diferentes para expressar as nuances de individualidade que existem em Gaia. Posso certamente explicar-lho, mas até lá, eu/nós/Gaia vamos chegar por tentativas ao que quero dizer. Por favor, avance, Trev. Dom está à espera e não quero obrigar as suas pernas a moverem-se contra a sua vontade. É uma sensação desconfortável se não estiver habituado.”
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