“Guinchos agudos, rugidos assassinos, o ranger de dentes sangrentos. (…) Hálito rançoso, carne putrefacta, o cheiro nauseabundo da morte imortal. (…) Os unicórnios não pertencem aos contos de fadas, pertencem aos pesadelos.”
Esqueçam os unicórnios fofinhos, seres a quem apetece fazer festas, escovar o pelo e colocar lacinhos na crina. Graças a A.F. Steadman, vamos passar a olhar para estes animais de um só chifre com alguma desconfiança, sobretudo aqueles que, não tendo sido descobertos por um cavaleiro compatível, foram obrigados a viver perpetuamente em estado selvagem. Bem-vindos a “Skandar e o Roubo do Unicórnio” (Nuvem de Tinta, 2022), livro primeiro de uma nova série que promete fazer furor junto dos fãs de literatura fantástica.
O protagonista dá pelo nome de Skandar Smith, um puto de 13 anos que vive com um pai desempregado – e muito pouco participativo nas lides domésticas, relacionais ou de qualquer tipo – e Keuna, a irmã de 14 anos que, de forma inesperada e atirando com o sonho de uma vida às urtigas, chumbou no exame de incubação, o que a fez perder qualquer hipótese de se tornar cavaleira – razão para estar mergulhada numa depressão a grande profundidade.
Com uma relação emocional pouco vívida, o grande acontecimento familiar é uma corrida anual que dá pelo nome de Taça do Caos, “uma dura prova de 16 quilómetros de resistência e capacidades de batalha aérea”, alimentada pela utilização dos quatro elementos. Uma corrida que relembra aos filhos Rosemary Smith, a mãe que desapareceu do mapa sem ninguém perceber bem porquê e que, em dado momento, terá dito a Skandar: “Prometo-te um unicórnio, meu pequeno”.
Com o falhanço da irmã, as esperanças da família – mais do lado paternal – residem em Skandar, apesar de este mostrar pouca propensão tanto para a vida social como para a arte da cavalaria. A juntar a toda esta incerteza, durante a Taça do Caos um cavaleiro de ar sombrio rouba Gelo da Nova Era, o unicórnio vencedor e o mais poderoso da ilha – os unicórnios e os cavaleiros vivem numa ilha própria, longe do rebuliço do mundo e dos comuns mortais –, o que irá abalar uma paz de décadas assente em fundações muito instáveis.
No já superpovoado universo da fantasia, A.F. Steadman consegue tirar um coelho – neste caso um unicórnio – da cartola, numa história com veia épica habitada por rasgos de magia, heróis adolescentes e batalhas estratégicas, na qual se forjam amizades, se exigem sacrifícios e se é obrigado a rever as prioridades da vida. Quanto ao pequeno Skandar, numa busca desenfreada por se tornar num outro, acaba por se encontrar a si próprio. O novo livro chegará em 2023 e, quem sabe, poderemos ter a resposta a questões fundamentais como esta: onde arranja Bobby o pão para preparar as sandes de emergência?
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