“Apeirogon – Viagens Infinitas” (Porto Editora, 2021), sétimo romance do irlandês Colum McCann – segundo o próprio, “um romance híbrido, centrado na criatividade, uma obra narrativa que, tal como todas as narrativas, entrelaça elementos de especulação, memória, facto e iamginação” -, parte de uma história real e improvável, tão improvável que acabou por ser uma peça fundamental deste romance poético sem fronteiras.
A história é a de dois pais: Rami Elhanan, um israelita, e Bassam Aramin, um palestiniano. Ambos perderam ambos uma filha para uma guerra que parece não ter fim à vista e, após processarem a perda, por caminhos mais ou menos tortuosos, tornaram-se amigos e passaram a trabalhar juntos, numa organização chamada Combatentes da Paz, que procura juntar os lados opostos do conflito. Pais que, no romance de Colum McCann, recebem os nomes de Rami Elhanan (israelita) e Bassam Aramin (palestiniano). O primeiro será contra a ocupação. O segundo irá estudar o Holocausto. Tudo para “desmantelar o medo”.
“Aqui, a geografia é tudo”, lê-se no arranque do livro. Um romance feito, à semelhança – e em homenagem – das 1001 noites que Xerazade passou a tentar refrear o ímpeto assassino de Xariar, de 1001 entradas, algumas delas feitas de uma frase só, onde Colum McCann consegue uma pequena proeza: um romance que não procura uma verdade absoluta, onde todos os que nele habitam lutam pelo direito de ser compreendidos. Um pouco à imagem do Apeirogon, polígono com um número infinito de lados.
O livro tem uma certa costela Sebaldiana, reflectida em pequenas entradas metafísicas, existenciais e históricas, espaços em branco, referências a Picasso, Petit – o funâmbulo que atravessou as Torres Gémeas – e ao enorme Borges, relacionando os acontecimentos com a poesia, a ciência, a história, a literatura ou as aves, ou ainda comovedoras entrevistas de vida – só falta mesmo a inclusão de mais fotografias para adensar o carácter infinito deste romance que, de alguma forma, fez expandir as fronteiras daquilo a que chamamos ficção. Pouco convencional, escrito com muito coração e talvez alguma ingenuidade, “Apeirogon” talvez possa fazer, após sucessivos falhanços diplomáticos e enganos políticos ao longo dos tempos, mais pela mudança. Haja, para isso, leitores em ambos os lados desta geografia.
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