Venceu o prémio para o Melhor Álbum no Festival de Angoulême em 2004 e, no ano seguinte, foi adaptado ao cinema por Laurent Tuel. Com argumento e desenhos de Manu Larcenet, um dos grandes nomes da BD francesa contemporânea, “O Combate Quotidiano: Volume Dois” (Arte de Autor/A Seita, 2021) reúne os dois últimos – de quatro – tomos originais desta obra, encerrando uma história profundamente humana – com um acentuado toque autobiográfico – onde há lugar para a comoção, o drama e a diversão – e que poderia servir de cartão-de-visita aquilo que se convencionou chamar, um dia, de BD franco-belga.
É com os The Clash e uns versos de “I`m Not Down” – I’ve been beat up, I’ve been thrown out, But I’m not down – que voltamos ao contacto com Marco, a quem cabe decidir o destino a dar às muitas coisas que o pai, recentemente falecido, acumulou durante uma existência na garagem. A mãe, essa, já decidiu o que fazer em relação às memórias: “Prefiro o que não se mete em caixas”.
Quanto à sua relação com Émilie Lamy, parece estar prestes a entrar numa etapa decisiva, à boleia das ideias díspares de parentalidade (pelo menos a curto prazo): “Marco… eu gostava de ter um bebé”, confessa Lamy, recebendo de volta um pouco querido “E eu um corpo de sonho. Cada um com os seus problemas”.
A cabeça de Marco continua um turbilhão de incertezas, algo prontamente assinalado aquando do seu regresso às lides psiquiátricas: “Está livre nos próximos vinte anos?”. Psiquiatra que, ainda assim, não deixa de oferecer algumas pérolas existenciais: “Considerar a possibilidade de ser pai é não só resignar-se com a ideia da própria morte, mas é também renunciar à vida de homem falível para se converter num fantasma sem o direto de errar”.
Quem parece estar em grande é Pablo, o velho estivador, que, para além de ser a inspiração maior para o novo projecto fotográfico de Marco – e de certa forma para o seu crescimento individual -, vai também distribuindo lições de vida, como “Os livros não são como os jornais… ficam” ou “É a Natureza que nos presenteia, não o contrário”. Pablo que representa, aqui, o fim de uma era, que Marco deixará imortalizada em livro.
Para além de acompanhar o crescimento de Marco, enfrentando os seus muitos medos, inseguranças e receios, ao leitor é também oferecido, pelos olhos do Sr. Mesribes, um retrato da guerra na Argélia – e de certa forma um retrato de muitas guerras: “Era o Inferno. Violações, execuções, tribunais militares expeditivos, tortura, quase tudo era oficialmente permitido, desde que conseguíssemos informações. (…) Pretender que é possível dissecar a tortura da guerra, a abjecção do massacre, é uma mentira de homem poderoso”.
Para o final fica reservado um caderno suplementar, algo que acabou por ser uma surpresa até para o próprio autor, que aí explica “o processo caótico que o leva (o livro) a encontrar o caminho até ao leitor”. Dois volumes e quatro tomos depois, Manu Larcenet mostra-nos que a vida é isso mesmo: um combate quotidiano.
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