É uma das trilogias que o Tik Tok – ou, melhor dizendo, o #BookTok – tem carregado em ombros num clima de festa, e que chega com a assinatura da britânica Holly Black. Black que, segundo reza a biografia, cresceu numa velha mansão vitoriana, tendo tido a sua imaginação alimentada com um plano de nutrição constituído por histórias de fantasmas e contos de fadas. É dela – com ilustrações de Tony DiTerlizzi – a série As Crónicas de Spiderwick, editada em Portugal pela Presença, uma das mais fascinantes viagens pelo universo do fantástico, que muito justamente lhe valeu a nomeação para diversos prémios de literatura fantástica – tendo recebido o Nebula (2005), o Mythopoeic (2014) e uma menção honrosa da Newbery Medal (2014).
Regressando às fadas que povoaram a sua infância, são elas que estão no centro da trilogia O Príncipe Cruel, ainda que surjam bem diferentes da imagem que fomos construindo desde tenra idade enquanto leitores. Sendo dirigida ao segmento que agora se convencionou chamar de jovens adultos, temos trilogia para entusiasmar também os mais crescidos, graças à sua bem doseada mistura entre magia, fantasia, drama e, claro, romance, aqui num estado mais larvar – naquela fase em que a lagarta está a poucos instantes de se transformar numa borboleta.
Tudo começa em “O Príncipe Cruel” (Topseller, 2020), livro que nos apresenta às irmãs Jude, Taryn e Vivienne. Um trio que verá a sua vida familiar ficar de pantanas com o assassinato dos pais, a que se segue um rapto e uma viagem para Faerie – não o detergente, antes o nome por que é conhecido o reino das fadas. Um reino onde “não há douradinhos, ketchup ou televisão”, onde a dança pode conduzir à loucura e no qual, os mortais, além de serem olhados de esguelha pelos naturais, têm apenas duas formas de se tornar membros proeminentes da corte: “pelo casamento ou aperfeiçoando algum grande talento – em metalurgia, no alaúde ou algo assim”. Um lugar onde, por exemplo, o imenso lago que nele existe não reflecte a cara de quem o olha, mas a de alguém que já olhou ou ainda olhará para ele.
Das três irmãs, apenas Vivienne possui os poderes das fadas – sem lhes dar grande uso -, poderes limitados por uma tremenda chatice: as fadas não conseguem mentir, algo que compensam com “uma panóplia de enganos e crueldades”. Jude, a mais rebelde das irmãs, assume o papel de narradora, e também ela, apesar de reconhecer que as fadas são, na sua grande maioria, seres malévolos e impiedosos, não esconde o fascínio por este mundo encantado, sonhando em conquistar também ela algum poder – apesar da inevitabilidade da mortalidade.
No centro da trilogia está, também, o príncipe Cardan, “sexto filho de Eldred Rei Altíssimo, e definitivamente o pior de todos”. Alguém com quem Jude irá rapidamente fazer faísca, fazendo nascer nela a ideia de rebelião, alimentada por uma guerra de sucessão que a levará ao mundo das intrigas e à arte subtil da espionagem.
Uma trilogia que prossegue – aqui sem grandes avanços, tudo para não estragar a vida aos futuros leitores – com “O Rei Perverso” (Topseller, 2021), que decorre cinco meses depois de uma jogada de mestre de Jude, que terá de viver com uma estranha premonição cuspida em jeito de desaforo: “Alguém em quem confias já te traiu”. É neste volume que será desvendada a lenda de Cardan, que terá começado quando alguém a ele se referiu como um tipo que “alvejaria uma amante por desporto”.
A encerrar a trilogia temos “A Rainha do Nada” (Topseller, 2022), no qual todos os holofotes estão apontados a Jude que, “no grande jogo dos príncipes e rainhas”, foi “varrida do tabuleiro”, apesar de manter vivo o seu maior talento: irritar os outros. É através dela, sobretudo, que Holy Black nos conta uma história que transita da inocência para a idade adulta, do mundo do faz de conta para uma realidade onde é necessário um grande jogo de anca para nos mantermos de pé.
“À família, à Terra das Fadas, à pizza, às histórias, aos novos começos e às maquinações engenhosas”, lê-se a certa altura. Brindemos a isso, mas também a Holy Black, por esta empolgante trilogia sobre a não pertença, a ambição, o amor, o desejo e “o grande jogo” do poder e da vida. E fadas, pois claro.
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