O ano, esse, continua a ser o de 50 a.C. É nessa linha temporal que, numa conversa com alguma circunstância, se debate se, entre as criaturas improváveis como a Quimera, a Hidra ou a Esfinge, se deverá acrescentar o Grifo. Nas palavras de Desorientadus, o bom geógrafo de César que já o havia iludido anteriormente sobre os unicórnios, o Grifo terá este aspecto: “meio águia, meio leão e com orelhas de cavalo”.
“Astérix e o Grifo” (Asa, 2021), o 39º(!) álbum da mais famosa série de BD em continuidade, leva-nos ao território dos Sármatas, um povo nómada, com guerreiros de ponta e valorosos cavaleiros, mencionado pela primeira vez no século V a.C. por Heródoto. Dominavam todas as estepes entre o Ural e o Danúbio no dealbar da nossa era, e tinham já marcado presença em algumas vinhetas de “Astérix e a Transitálica”, em 2017 (envolvidos na corrida juntamente com outros concorrentes). Os Sármatas viviam nas estepes do extremo oriental da Europa e combateram os Persas aliando-se, numa primeira fase, aos seus primos Citas. Mais tarde, no século II a.C., fizeram nova investida para suplantar estes últimos e dominar uma parte da Europa central. Hoje em dia, aliás, Polacos e Russos reivindicam uma herança «sarmática». Cultural e linguisticamente próximos dos Citas – ambos falam uma língua indo-iraniana –, os Sármatas partilham também com estes preocupações de paridade, razão por que as suas mulheres, vestidas e armadas como os homens, participam nos combates com grande determinação e furor.
As mulheres sármatas, aliás, estão em grande neste volume, deixando os afazeres domésticos entregues aos homens e partindo, na companhia de Astérix e Obélix, para libertar Kala Chnikova, a quem os romanos raptaram por acreditarem poder conduzi-los ao grifo. Uma crença na liderança de Desorientadus, mesmo que, no passado, este os tenha já lançado numa série de expedições falhadas – como lulas em vez de focas ou hienas em vez de girafas.
Numa aventura onde domina o branco e o frio toma conta de ossos e articulações, Ideafix irá desaparecer, a poção mágica irá congelar, Obélix será perseguido por uma amazona apaixonada, a terra plana será motivo de brincadeira e, quanto às conversas entre legionários, continuarão a ser um mimo. Há ainda, para quem procura casamento, um conselho precioso: “Nunca casem com um Xamã! Falta-lhes iniciativa! Só falam no «meu tambor», no «meu tambor»!”. 39 álbuns depois, as aventuras de Astérix e Obélix continuam a ser um motivo de celebração.
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