O “Hojoki” (Assírio & Alvim, 2021), que traduzido quer dizer qualquer coisa como “semente de lótus”, foi escrito numa cabana em Tokoyama por Rei-in, nome adoptado por Kamo no Chomei após se ter convertido ao budismo depois de uma passagem pelo xintoísmo – e de uma turbulência política e social e de calamidades naturais, que servem de pano de fundo às reflexões deste livro, que mergulha na natureza, escreve um hino ao efémero e relembra a transitoriedade da existência.
Uma cabana que nos recorda aquela construída, séculos mais tarde, por Thoreau, apesar de parecer um pouco menos segura e de o guarda da montanha andar sempre por perto – ou de o filho deste vir fazer companhia a Kamo no Chomei de quando em vez.
Segundo Jorge Sousa Braga, autor da introdução e da versão para português, Hojoki é “um hino ao despojamento, escrito de uma forma também ela despojada”, assemelhando-se a um diário feito de entradas breves e algo cinemáticas – ou mesmo jornalísticas -, onde pulsa o eterno devir.
Uma viagem poética onde assistimos ao fim de Quioto como capital, compreendendo o mundo de hoje ao compará-lo com o passado; um retrato histórico e social de um país, que relembra o eterno fosso entre ricos e pobres e o que poderia ser a semente da sublevação; um percurso sentimental, onde a paisagem está em constante mudança e se arranja espaço para a melancolia e a saudade; um tributo à independência, à solidão e ao “eu”, onde, apesar do despojamento, se considera a certa altura que “o apego a esta vida solitária pode ser uma barreira para a iluminação”.
Com o formato e a paginação irrepreensível da colecção Gato Maltês, Hojoki conta com desenhos de Avelino Sá, que encaixam na perfeição neste hino à transitoriedade da vida, que nos convida a uma reconfortante e inquieta reflexão: “Em tais ocasiões é bastante comum que as pessoas se convençam da impermanência das coisas terrenas, aconselhem o desapego a essas coisas e a libertarmo-nos das impurezas dos nossos corações. Mas com o passar dos meses e dos anos deixamos de os ouvir formular tais reflexões. Parece-me, pois, que todas as dificuldades da vida surgem dessa natureza evanescente e efémera do homem e da sua morada”.
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