Poucas doenças evocam tanto terror como a lepra. Porém, ao contrário do que algumas obras de ficção difundem, é frequentemente muito difícil de diagnosticar, desenvolve-se devagar e nem sempre desfigura as vítimas. Victoria Hislop faz verdadeira pedagogia acerca desta enfermidade, através do drama de uma família por ela atingida, em “A Ilha” (Porto Editora, 2022).
O título refere-se a Spinalonga, situada ao largo da costa de Creta, que “foi a principal colónia de leprosos da Grécia de 1903 a 1957”. A história abrange as décadas entre 1930 e 1950, mas começa na actualidade, com as reflexões da jovem Alexis, uma britânica de 25 anos em crise existencial. Sendo arqueóloga de formação, não admira que procure no passado as chaves para planear o futuro. Interessa-lhe sobretudo desvendar o passado da mãe, com quem se compara. Esta nasceu na Grécia e é descrita como uma mulher reservada, com dificuldade em mostrar os seus sentimentos, mas dispõe-se a escrever um bilhete para a filha levar a uma velha amiga da família, durante uma viagem ao seu país natal.
É esta última personagem que nos dá acesso à parte principal do livro, a qual recua até ao tempo em que a bisavó de Alexis recebe o diagnóstico de lepra e é forçada a partir para o exílio em Spinalonga, abandonando o marido amado e duas filhas com personalidades bem distintas. Os percursos dos elementos da família – que ora divergem, ora se entrelaçam – compõem uma trama onde o altruísmo, o amor e a amizade se cruzam com o egoísmo e a traição, tudo excelentemente combinado com o conhecimento que a autora possui da cultura grega, que parece ser um traço diferenciador do seu trabalho.
O mais marcante é a reconstituição do quotidiano em Spinalonga, onde muitas pessoas habitaram mais de uma década, levando vidas tão normais quanto possível. Gerida segundo um modelo de democracia exemplar, era mais uma comunidade do que um recanto para morrer. Em comparação com certos hospitais no continente, onde os leprosos sofriam um tratamento bárbaro, a ilha era um paraíso, e desenvolveu-se rapidamente quando começou a acolher doentes de estratos sociais mais altos, com maior poder reivindicativo. Havia cuidados médicos, uma escola, um café, um cinema e uma igreja, onde até foram celebrados casamentos. Embora alguns se sentissem aprisionados, outros encontraram na ilha condições de vida mais aprazíveis do que aquelas que as suas vidas anteriores permitiram, chegando a temer o regresso ao mundo exterior, perante a descoberta da cura para a lepra e o encerramento do lazareto.
Tendo esclarecido os mistérios do passado, Alexis ganha confiança na construção do seu futuro e altera a perspectiva da mãe acerca da história da família, levando-a a substituir a vergonha dos estigmas por exemplos inspiradores de coragem face à adversidade.
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