“Desde que os homens abandonaram o Castelo, o touro Sílvio e a sua matilha de cães passaram a explorar até à exaustão o trabalho dos outros animais”. Sejam bem-vindos ao Castelo dos Animais, uma tetralogia imaginada – e escrita – por Félix Delep e desenhada por Xavier Dorison, lugar habitado por galinhas, cabras, burros, ovelhas e outras espécies, todas elas sujeitas ao poder déspota do Presidente Sílvio – um touro gigante – e da sua cruel milícia de cães.
“Miss Bangalore”, o primeiro volume, serviu de apresentação a esta ditadura do terror onde, ainda assim, alguns animais sonham com a mudança: Miss B. – de Bengalore -, uma gata que faz um trabalho de mula e que é a alma invisível deste castelo; Margarida, uma gansa verdadeiramente altruísta; ou César, um coelho que tem o poder esquivo de um dealer e a manha de um empreendedor por conta própria.
Miss B. é, agora, o rosto inesperado de uma revolta, que se começa a desenhar nas sombras. Há, porém, diferentes visões sobre as melhores formas de luta. Uns defendem a violência mas, para Miss B., o caminho terá de ser outro bem diferente: ao estilo de Gandhi, B. defende uma insubordinação não violenta, silenciosa, sem qualquer espírito vingativo, onde o lema é claro: “não mataremos, não atacaremos, não agrediremos. Seremos agredidos!!”.
Uma insubordinação que tanto pode passar por bater em baldes com o desenho da cabeça do Presidente como por desenhar margaridas – um símbolo da resistência – na neve. Gestos que começam a abalar a estrutura de poder de Sílvio que, sentindo o sopro de uma mudança, manda colocar coleiras com guizos em todos os animais, defendendo tratar-se de um “testemunho do seu afecto por cada um de nós” – palavras de Nº 1, o cão com um lenço à Camões que serve de braço – ou pata – direito de Sílvio.
César, o sábio coelho, deixa porém um aviso, talvez o maior desafio a quem, como Miss B., se vê no difícil papel de conduzir uma revolta onde serão necessários sacrifícios extremos: “Entre animais mal preparados, a desobediência pode tornar-se anarquia! Acreditem em mim, a demência da multidão é mais terrível do que a loucura do déspota, pois é mais incontrolável. O que devemos temer acima de tudo, Miss B., não é a violência de Sílvio ou da milícia dos cães, mas a nossa…”.
Neste segundo volume, intitulado “As Margaridas do Inverno” (Arte de Autor, 2021), o braço de ferro irá disputar-se numa guerra pela lenha, que Miss B. e um grupo cada vez maior de animais defende que deve ser gratuita para todos. Um jogo de paciência que porá à prova o espírito de sacrifício dos revoltosos silenciosos, mas também a impaciência de Sílvio, que tem na esposa a melhor das conselheiras de guerra. A vitória afasta-se, mais do que nunca? Resta esperar por “A Noite dos Justos”, o terceiro e penúltimo livro de uma série que, movendo-se no território da fábula, dá visibilidade à injustiça, mostrando o medo como o sentimento dominante das ditaduras.
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