“Aparentemente, homem que é homem não chora. Não expressa as suas emoções. Não tem medo. Não fraqueja. Não pede ajuda. Não é maricas. Não é feminino. Não é gaja. Um homem de verdade é forte, é viril, é confiante, é corajoso, é dominante, é um líder.”
Eis algumas das ideias-feitas que persistem nas nossas sociedades acerca da identidade masculina, condicionando o desenvolvimento de muitos rapazes e dificultando as lutas pela igualdade social entre homens e mulheres. Felizmente, existem homens dispostos a desafiar preconceitos. Nelson Marques fala-nos do seu próprio caso e dos percursos de mais alguns bravos em “Os Homens Também Choram: Histórias da Nova Masculinidade” (Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2021), outro volume da colecção Retratos da Fundação.
É certo que os estereótipos de género prejudicam sobretudo as mulheres, manifestando-se através de discriminações em diversas áreas, do trabalho à saúde, e conduzindo a estatísticas aterradoras de violência doméstica e crimes sexuais, frutos de uma cultura propensa a justificar e desculpabilizar os actos de abuso de poder e de violência de homens sobre mulheres. Porém, é cada vez mais reconhecido que o ideal de masculinidade subjacente à educação de muitos rapazes também os prejudica, na medida em que oprime uma parte da sua humanidade, afecta o seu bem-estar e os leva a adoptar mais comportamentos de risco. O autor explica todas estas inter-relações, tendo o cuidado de não demonizar um género e colocar outro num pedestal, para mostrar como os homens, em vez de se sentirem desconfortáveis – ou até ameaçados – pelos movimentos feministas, têm a ganhar se cooperarem com eles.
Na descrição de várias iniciativas, é dada a palavra aos respectivos fundadores, para contarem, em discurso directo, aquilo que os motiva. Encontramos aqui um movimento que usa o humor como ferramenta antimachista, círculos de conversa onde os homens podem “falar dos seus sentimentos, vivências, angústias, medos ou sonhos, sem se sentirem julgados”, grupos de debate sobre o que significa ser um homem, espaços terapêuticos para vítimas masculinas de violência sexual, e até grupos de homens que tricotam, usando uma atividade tida como feminina “para criar um espaço de diálogo sobre o papel dos homens na sociedade, promover a discussão em torno dos estereótipos de género e dar visibilidade a masculinidades alternativas ao modelo hegemónico”.
De facto, os modelos de masculinidade alternativos ao hegemónico não são realmente novos, mas tinham menos visibilidade e eram tidos em menor consideração. Ao questionarem os seus papéis tradicionais, estes homens rejeitam a cumplicidade na manutenção das desigualdades de género e promovem activamente a mudança. Graças aos seus testemunhos e à escrita socialmente empenhada do autor, terminamos a leitura com uma crença renovada na possibilidade de construção de um mundo melhor para todos.
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