“O tempo não é uma estrada recta; é flexível como uma fita, enrola-se sobre si próprio.”
“Destino” (Asa, 2021) estava escrito no bilhete do navio que levou Giulia Masca para a América, jovem, grávida, em fuga de uma vida que transportava em memórias e nas cicatrizes das mãos – mais tarde, as provas que testemunhavam a identidade de quem dizia ser a criança trabalhadora da fiação Salvi.
A vida de Giulia Masca é igual a muitas outras no alvorecer do novo século XX. Para escapar à miséria, a protagonista deixou para trás o interior do Piemonte e uma preciosa rede de afectos: o namorado e a amiga Anita Leone. Assim que chega a Nova Iorque e a Little Italy conhece e casa-se com Libero, um imigrante italiano de sucesso. O destino torna-se, então, amigável para a jovem que chegara grávida e faminta à América. Por essa altura, tempos conturbados de fascismo e de guerra determinavam destinos diferentes para quem ficara em Itália, rodeado por devastação e por fome – são estas as passagens mais bem conseguidas do livro, pela intensidade das descrições e a integridade do relato histórico. O relato de lutas sociais surge então entrelaçado com o de amores impossíveis, pequenas histórias emaranhadas com a história de um povo e de uma época.
Quando, em 1946, aos 66 anos, Giulia Masca regressa a Itália, os fios da história são reatados e as suas memórias resgatadas. Os habitantes de Borgo di Dentro, a sua terra natal, haviam sido devastados pelo fascismo e pela guerra, mas relevavam uma grande vontade de recomeçar: “Se uma pessoa foge, a sua terra deixa de ser a sua casa? Não pode regressar?“.
A narrativa expõe o mundo interior de uma panóplia de personagens, que retratam uma época importante da história de um país e do mundo em geral. Uma história de amor e de amizade num ambiente repleto de tensão social, que abarca toda a primeira metade do século passado: a emigração, a luta e a superação de quem saiu e de quem ficou, a forma como se sobrevive ou se sucumbe ao conflito, o peso das alianças – sejam elas familiares, políticas ou sociais -, a diferença de perspectivas entre gerações de gente que encara o progresso como compensação identitária.
A autora estrutura o foco da narrativa dividindo o livro em 3 grandes partes, organizadas com base em genogramas que revelam os graus de parentesco, os padrões de comportamento, as atitudes e o perfil físico e psíquico das famílias, verdadeiras descrições representativas das relações existentes. A linha temporal revela-se igualmente dinâmica, oscilando o relato entre a contemporaneidade de Giulia Masca no regresso e os factos que não presenciou, quando a vida em Itália era condicionada pelo conflito bélico e a atitude de um povo que não se demitiu de resistir e de sobreviver.
Raffaella Romagnolo, a autora, vive e trabalha em Piemonte, terra onde nasceu, e desde criança sonhava com escrever as suas próprias histórias. Licenciada em Literatura Italiana e doutorada em Ciências Literárias, tem os seus romances traduzidos para inúmeras línguas. “Destino” é, especialmente hoje, um livro oportuno, que fala sobre a guerra e a superação individual e colectiva de um povo.
Sem Comentários