O reputado editor brasileiro Luiz Schwarcz era ainda uma criança quando experienciou o primeiro grande sufoco: sentiu ”os pulmões contraídos e sem ar, com um nó seco inexplicável na garganta”. Surgiam os primeiros indícios de uma depressão que o acompanhará para o resto da vida. Escrito na primeira pessoa, “O Ar Que Me Falta” (Companhia das Letras, 2021), é um relato corajoso de uma vida familiar marcada pelo trauma e pela doença mental.
Schwarcz fundou a Companhia das Letras em 1986 e, desde aí, tem vindo a construir o admirável catálogo da editora, do qual constam autores célebres como Jorge Amado, Hilda Hilst, Jorge Luis Borges, Vinicius de Moraes e José Saramago. Schwarcz é também afamado pelo lançamento da carreira literária de Chico Buarque — curiosamente, “Estorvo”, o primeiro livro do cantautor carioca, quase não viu a luz do dia quando Luiz Schwarcz perdeu a disquete que continha o texto original (felizmente, Buarque possuía uma cópia impressa da obra).
Para além de ser um valente spoiler, o subtítulo do livro de memórias de Schwarcz – “História de Uma Curta Infância e de Uma Longa Depressão” – serve para precaver o leitor mais incauto que, porventura, busque nesta obra uma exposição do mundo da literatura e do mercado editorial. Sejamos claros: em “O Ar Que Me Falta” discute-se melancolia, insónia, bipolaridade, violência e tentativas de suicídio.
Os psiquiatras apontam para os “traumas como uma das causas mais comuns da depressão, independentemente do genoma”. Ainda assim, o ilustre editor brasileiro acredita que herdou de André, seu pai, as perturbações e a angústia de um judeu que, durante o Holocausto, conseguiu escapar do comboio que o levava para um campo de extermínio, deixando o seu progenitor (o avô de Luiz, que se encontrava na mesma carruagem) entregue à morte. Já do outro lado do Atlântico, André conheceu a futura esposa (que também havia fugido ao terror nazi) com quem gerou Luiz Schwarcz, o único filho do casal, que viria a carregar o peso de uma história familiar agonizante.
Durante a juventude, nem o gosto pelo futebol e pela arte o conseguiram resgatar da letargia, sonolência e compulsão alimentar, os sinais evidentes de uma depressão latente. Por outro lado, tendo adquirido desde muito cedo “um senso de responsabilidade quase patológico“, Luiz desenvolveu uma obsessão doentia pela perfeição em todas as tarefas, o que mais tarde seria evidenciado através do seu rigoroso trabalho de edição. Posteriormente, o sucesso profissional trar-lhe-ia a fama e o prestígio, assim como os dissabores dos constantes acessos de fúria narcisista e da síndrome bipolar.
Após um duro “processo de autoconhecimento”, Luiz Schwarcz encontra-se hoje no caminho da cura que é, dizem os especialistas, assaz demorado e pleno de acidentes. Não obstante as oscilações e recaídas, só um indivíduo excepcionalmente clarividente é capaz de um exercício terapêutico-literário do calibre de “O Ar Que Me Falta”: um testemunho catártico e comovente, repleto de sucessos, fracassos e episódios depressivos de perder o fôlego.
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