Depois de ter concebido cinco colecções de literatura juvenil, baseadas nas mitologias greco-romana, egípcia e nórdica, com milhões de exemplares vendidos em todo o mundo, Rick Riordan vira-se para a ficção científica, com “A Filha das Profundezas” (Nuvem de Tinta, 2021), inspirando-se em dois clássicos de Júlio Verne: “Vinte Mil Léguas Submarinas” e a sua sequela, “A Ilha Misteriosa”.
Estas duas últimas obras são marcadas pela personagem do Príncipe Dakkar, mais conhecido como Capitão Nemo, criador do Nautilus, o submarino mais avançado do mundo, que usava para atacar as forças coloniais europeias que exploravam a sua Índia natal. Recorrendo às inovações tecnológicas antecipadas por Verne e ao conteúdo político dos seus textos, Riordan constrói um épico de aventuras que também faz pensar na utilização da Ciência e na forma como perspectivas diferentes constroem heróis ou vilões. Como reflecte uma das suas personagens, “os nossos rótulos dependem sempre de quem está a rotular”.
No início da história, a protagonista, Ana Dakkar, está prestes a completar quinze anos de idade e ignora o facto de ser descendente do Capitão Nemo. Embora o programa escolar a tenha obrigado a ler os clássicos de Verne, julga partilhar o apelido com uma figura fictícia por mera coincidência. À semelhança de outros heróis da literatura juvenil, é órfã e frequenta uma escola secundária muito peculiar, a Academia Harding-Pencroft, que prepara os alunos para carreiras ligadas ao meio aquático, dividindo-os, com base em provas de aptidão, por quatro casas com nomes de criaturas aquáticas: Golfinho, Tubarão, Cefalópode e Orca. Caso o leitor demore a reparar nas semelhanças com o universo de Harry Potter, recebe uma piscadela de olho do autor quando este coloca as personagens a comentar o facto de a instituição e o jovem feiticeiro terem as mesmas iniciais. Em vez de habitarem num universo alternativo, elas partilham connosco a cultura popular da actualidade, adquirindo grande realismo, sobretudo Ana, cujo sentido de humor torna a sua narração brilhante.
No dia em que ela e alguns colegas saem para prestar provas importantes, a Academia Harding-Pencroft sofre um ataque devastador por parte do Land Institute, uma escola rival com quem disputa o legado do Capitão Nemo. Em fuga, Ana dá por si “eleita capitã de um navio com uma tripulação de vinte caloiros, um cão, um golfinho e um adulto em estado de coma” e inicia uma jornada marítima que a leva a descobrir a sua herança – incluindo o Nautilus – e as suas capacidades, ao mesmo tempo que gere um grupo muito diversificado de jovens e enfrenta uma traição inesperada.
O único aspecto questionável na obra é a quantidade de inovações atribuídas ao Capitão Nemo, as quais desafiam a credulidade até das próprias personagens. Além disso, o prefácio de Roshani Chokshi não favorece o livro, pois esta escritora parece mais empenhada em mostrar-se espirituosa do que em fazer justiça à história. A introdução de Rick Riordan é muito melhor e deixa transparecer o seu fascínio pelo poder da ficção científica para expandir os limites da Ciência. Combinando isso com as doses certas de mistério e acção, mais as forças da amizade e da coragem, o autor tece uma narrativa empolgante que agradará a jovens e adultos.
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