Pedro Vieira é hoje guionista e pivô televisivo, responsável pela comunicação do Cinema São Jorge, ilustrador freelancer e autor de obra literária cada vez mais vasta e diversificada. Porém, a sua vida profissional começou no atendimento ao público, numa loja de um centro comercial, à qual se seguiram outras, até ter agarrado a oportunidade de mudar radicalmente de vida. Foram essas experiências passadas que inspiraram o livro “Em que posso ser útil?” (Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2021).
Integrado na colecção Retratos da Fundação, o texto encontra-se estruturado com base em testemunhos de trabalhadores das áreas do comércio e dos serviços, os quais narram pedaços de “vidas que se construíram, em parte, atrás de um balcão de atendimento ao público”. Nestes meios, onde predominam baixas qualificações e alta rotatividade, esta mão-de-obra, apesar de essencial, é frequentemente mal remunerada, forçada a organizar a vida por turnos, a enfrentar situações de desrespeito pelas leis do trabalho e a desenvolver estratégias para lidar com o subsequente desgaste, físico e mental. Embora seja reconhecido que ”todos os empregos têm os seus problemas”, é assumido que o atendimento ao público “consegue proporcionar experiências amargas com alguma regularidade”, “até porque os atendedores tendem a ser o rosto de uma instituição com quem os clientes, utentes e consumidores decidem assumir algum tipo de litígio”.
Na sua maioria, os entrevistados têm 25 a 44 anos, faixa etária que representa, segundo informa o autor, mais de 40% da força de trabalho empregada. Estão aqui incluídos tanto jovens trabalhadores-estudantes, como adultos que já constituíram famílias. Entre os seus postos de trabalho, encontramos o sector da restauração, a bilheteira de um cinema, centros comerciais e modernos call centers, onde os protocolos e os rankings de desempenho ditam as suas próprias leis e impõem que tudo seja “medido, contabilizado, parametrizado”. A este grupo, junta-se um casal de reformados da função pública, cujas vidas profissionais decorreram em balcões do serviço nacional de saúde, onde tinham de “dar a cara pelo Estado, desprotegidos e sem contrapartidas”.
O autor recorre a uma ironia muito eficaz para aligeirar a leitura e entrelaça habilmente os depoimentos recolhidos, apontando semelhanças e diferenças que possibilitam uma reflexão deveras interessante, do ponto de vista sociológico. Claro que nem tudo é mau neste retrato do sector do atendimento ao público: o ingresso é relativamente fácil e há quem faça um balanço positivo da sua experiência, revelando satisfação com a situação salarial e vendo aí perspectivas de futuro. Infelizmente, como é revelado no final do livro, a pandemia de covid-19 interferiu com alguns planos e o futuro tornou-se mais incerto. O que é quase garantido, é que esta obra contribuirá para que muita gente passe a ver com outros olhos aqueles que encontra atrás de um balcão.
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