Brunhoff é, provavelmente, um apelido desconhecido da maioria dos portugueses, mas alguns dos seus portadores ocuparam uma posição incontornável na França da primeira metade do século XX. Yseult Williams resgata-os da queda por entre as malhas da História, em “O Esplendor dos Brunhoff” (Quetzal, 2021).
Uma data crucial da saga é 1887, ano em que Maurice de Brunhoff, com 26 anos, troca a ascendência germânica pela nacionalidade francesa e assume o cargo de administrador de uma tipografia. Em pouco tempo, a empresa torna-se uma das mais inovadoras da Europa, e a sua descendência chega ao leme de revistas que marcam a história da imprensa e das artes. Um dos seus filhos, Michel, celebriza-se como chefe de redação da Vogue francesa durante a idade do ouro da alta-costura, ao ponto de lhe chamarem “árbitro supremo das elegâncias”. Contudo, Michel está longe de ser um dandy fútil. Toda a sua vida perseguirá o entusiasmo de descobrir e apoiar novos talentos. O dinheiro da Vogue serve-lhe para financiar inúmeros artistas, e as propriedades da família funcionam como ímanes para grandes nomes da política e da cultura mundiais.
O sofrimento também não lhe é estranho, ainda que use a frivolidade como arma contra a gravidade do mundo. Depois de ter combatido na Primeira Guerra Mundial – cujo absurdo satirizou em cartas ilustradas para a família –, Michel enfrenta condições espartanas para manter as suas publicações activas durante a Segunda, mesmo após a ocupação nazi e as subsequentes pressões para colaborar com os alemães. O seu filho Pascal integra um grupo de estudantes que acaba massacrado pelos nazis, pela intenção de criar um movimento de resistência. A sua sobrinha Marie-Claude, que aderiu na juventude ao Partido Comunista e sempre procurou “viver em total coerência com as suas ideias”, é presa e enviada para um campo de concentração. Depois da guerra, será a primeira mulher a testemunhar nos julgamentos de Nuremberga.
Outro elemento da família digno de destaque é Jean de Brunhoff, irmão de Michel. Embora tenha vivido mais afastado da sociedade que os seus parentes próximos – em parte por causa da tuberculose, que o matou precocemente –, deixou para a posteridade uma criação que tem alegrado inúmeras crianças: o elefante Babar, através do qual revolucionou a edição de livros infantis. Graças às ilustrações “resplandecentes e luminosas”, as suas obras contrastavam com as disponíveis até então, que “eram de pequeno formato” e cujas imagens “mais pareciam vinhetas”.
Das grandes foto-reportagens à efervescência da vida cultural francesa, do terror dos campos de concentração às guerras entre estilistas gauleses e americanos, a escrita segura de Yseult Williams conduz-nos na descoberta do “prodigioso destino de uma família europeia”, sem se inibir de deixar transparecer a admiração que sente por estas personagens reais, tão extraordinárias quanto profundamente humanas.
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