Existe racismo em Portugal? A mera pergunta suscita polémicas. Jorge Vala oferece um contributo precioso para um debate honesto acerca do assunto, em “Racismo, Hoje: Portugal em Contexto Europeu” (Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2021), mais um volume da colecção Ensaios da Fundação.
O autor, doutorado em Psicologia Social pela Universidade de Lovaina, foi professor catedrático do ISCTE-IUL e é investigador emérito do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, tendo já sido distinguido com o Prémio J. P. Codol da European Association of Social Psychology e o Prémio Carreira da Associação Portuguesa de Psicologia. Os seus trabalhos mais recentes centram-se “no estudo da identidade e dos sentimentos de justiça e legitimidade associados aos conflitos decorrentes do racismo, do preconceito e das migrações”.
Este ensaio, escrito numa linguagem muito acessível, tem como objectivo ajudar a “compreender a presença do racismo e da discriminação racial nas sociedades democráticas contemporâneas”, prestando especial atenção à realidade portuguesa. Para alcançá-lo, o autor explica a tendência humana para organizar o conhecimento do mundo em categorias, bem como as consequências da aplicação da categorização a seres humanos, recorrendo a uma grande quantidade de estudos científicos, sempre descritos com grande clareza. Nas suas palavras, “os estereótipos tornam o mundo mais previsível e mais controlável”, sendo “validados pelo consenso social, pela cultura e pelas imagens que nos chegam da história”. Porém, a sua aplicação a pessoas reais é problemática e até letal.
Em particular, a ideia de raça como forma de classificação da diversidade humana sustentou uma ideologia que organizou diferentes grupos numa hierarquia considerada inevitável. Por isso, o racismo não é uma mera questão de atitudes em relação a pessoas com características diferentes: no seu cerne, está a crença na inferioridade de alguns grupos, e este processo de inferiorização envolve relações de dominação, as quais originam discriminação e violência. Após ter sido demonstrada a falta de fundamento biológico do conceito de raça, nos contextos em que tal argumentação se tornou socialmente inaceitável, a ideologia racista sofreu uma mutação, passando a utilizar uma hierarquização de culturas para legitimar as desigualdades entre grupos.
Apesar de toda a evolução científica e social, os inquéritos revelam consistentemente que Portugal é dos países europeus onde maior percentagem de pessoas assume a crença na superioridade de uns grupos relativamente a outros. Porém, o livro alimenta a esperança de um futuro melhor, pois os inquéritos também revelam que “os valores da igualdade recebem sempre maior adesão do que os que estão associados à hierarquia, ao poder e às relações de dominação”. Face à persistência insidiosa dos racismos, é de celebrar o facto de tais crenças já não serem partilhadas pela maioria dos europeus e de existirem obras como esta, que contribuem para um debate público e político esclarecido.
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