Ginia é uma jovem na transição da adolescência para a vida adulta. Trabalha, vive com um irmão e tem amigas com as quais sonha e descobre a vida. Uma delas, Amélia, representa tudo o que Ginia anseia: beleza, estilo, liberdade e descoberta. Acompanham-se e sugestionam-se, por vezes sem perceberem que ambas se admiram e se invejam, ainda que em perspectivas diferentes. Amélia, mais experiente e destemida, mas ainda assim tão solitária e perdida; Ginia, discreta e receosa, mas decidida a descobrir o corpo, o amor e o prazer da sedução. Ambas sonham com o futuro e fazem por ele de formas diferentes. Cesare fala-nos de ambas de forma meiga e envolvente, respeitando as diferenças e unindo-as pela cumplicidade do sonho e de uma inocência em muitos aspectos improvável, mas sobrevivente ao confronto com a realidade. Conjugando a beleza da credulidade com a audácia aprendida, Cesare dá musicalidade à cumplicidade existente na amizade e ao individualismo necessário à construção de identidade.
“O Belo Verão”, de Cesare Pavese, (Livros do Brasil, 2021 – reedição), é uma belíssima viagem ao sonho e à descoberta da vida tal como ela se apresenta aos olhos de duas raparigas jovens, umas vezes repletas de rosáceas amorosas, outras ofuscada por néones encadeantes. Ambas são o produto da inexperiência e de ingenuidade roubada, continuando ainda assim a acreditar e a arriscar em nome da beleza, da bondade e do amor. Engane-se quem esteja a antecipar uma narrativa demasiado lirista ou naïf. Estamos, antes, perante um retrato vítreo de jovens que poderiam perfeitamente existir na actualidade, devidamente rodeadas de gadgets, repetindo o mesmo processo de descoberta, ensaio e maturação, algo intemporal.
O verão sugestiona liberdade e despojo de quase tudo, vestes, gestos, contrições e justificações. Com facilidade passa a ser natural estar onde não se estava, ficar até onde antes não se atrevia, sonhar com movimentos leves e realidades remotas. O verão quase sempre tem esse poder de facilitar a concretização do que parecia inverosímil. São as saídas fáceis, as descobertas, as ligações aos outros e à vida. Dure a juventude até onde durar, verão há-de ser sempre para os mais novos tempos de descoberta, de ensaio e de transgressão benévola, de anseio e de uma realização menos austera. Tempo de florescer e de desabrochar, de revelação e de libertação.
Perdoado que esteja este pendor para algum excesso na elencagem e na adjectivação estival, lembremos o valor dos rituais de crescimento e de passagem da infância para a adolescência, desta para a adultez, sempre envoltos em comportamentos de descoberta individual e de ligação a um grupo, realista ou romanceado, que orienta os limites do comportamento. Não se trata de seguir leis ou regras formais, mas antes de replicar formas de comportamento tidos como desejáveis e inevitáveis para quem não quer ficar para trás.
Cesare Pavese (1908-1950) apresenta, em “O Belo Verão”, o melhor do seu pendor romancista e da sua veia pela expressão da liberdade moral e social. Escreveu-o em 1940, numa fase de grande maturidade e consistência narrativa. Com a sua publicação, ocorrida nove anos mais tarde, ganha o Prémio Strega, seguindo-se outra publicação estrondosa, “A Lua e as Fogueiras”, também recentemente reeditada pelos Livros do Brasil. Pouco depois suicida-se, num quarto de hotel em Turim, como se já tivesse esgotado todos os lugares desta gigante roda dentada que é vida.
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