Foi o próprio Jorge Luis Borges que o disse a propósito de Dino Buzzati, incluindo-o no lote: «Há nomes que as gerações vindouras não se resignarão a esquecer.» E, aqueles que decidirem percorrer “O deserto dos tártaros” (Marcador, 2014) de forma destemida, cedo irão perceber a razão deste pequeno livro ser considerado uma das grandes obras-primas da literatura universal.
Aparentemente até nem haveria razão para tanto. O livro conta-nos a história do tenente Giovanni Drogo, mobilizado para o longínquo Forte Bastiani, para aquela que julga ser a primeira etapa de uma carreira gloriosa. Porém, assim que chega àquele reduto isolado, o seu ânimo é severamente abalado, e a decisão de regressar à cidade parece inabalável.
Contudo, depois de uma conversa com o Major Mati, decide ficar durante quatro meses, mal sabendo o fascínio que o Forte exerce sobre aqueles que nele habitam, cada vez mais incapazes de um regresso à civilização – ou, a ela regressando, de por lá permanecer. Giovanni Drogo será, também ele, tomado aos poucos pela tranquila espera pelo inimigo – os Tártaros -, tornando-se essa espera a sua única razão de viver, numa renúncia à juventude e ao abraçar da rotina.
Escrito de forma magistral, “O deserto dos tártaros” é um romance mágico sobre a existência humana e a nossa relação com o tempo, que vai mudando de acordo com a idade e, sobretudo, com o aproximar do fim da curta existência.
São igualmente focados, sempre nas entrelinhas, alguns dos maiores problemas filosóficos e existenciais que atravessam o espírito humano: a segurança face à ideia de liberdade; a resignação progressiva face à escassez de oportunidades; a frustração de se verem esfumados os feitos extraordinários que se imaginaram para a vida; a velhice como um estado de tortura. Mas, também, um livro sobre a implacabilidade militar, um Kafkiano manifesto anti-guerra. A todos os níveis excepcional.
3 Commentários
Acho que o cenário militar, apesar da crítica ao militarismo, tem um escopo mais elevado, qual seja, o de ordem existencial. Tal livro é mui rico, e acho que é existencialista. Muito valido quando colocamos a vida de G. Drogo a lume de Sartre, Camus, e Dostoiévski, e na ala do Existencialismo Cristão: de Søren Kierkegaard, Karl Jasper, como os livros de Jó e Eclesiastes. É ótimo livro, mas acho que uma dass mensagens para o leitor é não cair no fatalismo/tédio inoperante/autopiedade que nos levam a lugar algum. Creio que a liberdade subjetiva deve ser levada ao extremo, obviamente respeitando os direitos naturais dos outros (ex. Fanatismo religioso, vide IIslamismo).Por fim, apesar do tema da liberdade humana e do sentido da vida serem grandes temas nessa excelente obra do Buzzatti, creio que a frase de Dostoievski serve como uma luva, qual seja, ” O homem tem um vazio do tamanho de Deus”, dai deriva porque sou cristão, e tenho fé em Jesus Cristo, simplesmente porque o cristianismo não baseia a sua cosmovisão no mero evitamento do sofrinento (ascetismo) e hedonismo , mas transcende e muito tal reducionismo existencial. E o final do livro quando Ela (a Morte) chega, e nos é revelado que Ela é o evento extraordinârio, para os sem Fé e para os inertes, é uma crítica sensacional.
Esta Mensagem de Fiodor Dostoievski me fascina, como Discípulo de Jesus Cristo. Ao mesmo tempo, por apreciar muito o Escritor Dostoiévski e por saber que ele, quando lançava um livro, recebia muito dinheiro, que não teria para pagar aos agiotas. E continuou nessa Tribulação até o final da vida, como ele conta em “o Jogador”. Eu pensava que a Mensagem famosa sobre Deus teria sido sua libertação. Onaldo Pedro Merisio.
Eu acho muito importante ter a oportunidade de manifestar a opinião do Leitor. Quanto à Mensagem de Dostoiévski sobre Deus, eu e muitas pessoas tiram proveito e é real, mas é pena que não mudou a vida dele e da família! Onaldo Pedro Merisio.