Em 2018, o colombiano Juan Gabriel Vásquez levou para casa o Prémio Literário Casino da Póvoa pelo romance “A Forma das Ruínas” (ler entrevista). Um livro que, misturando a autobiografia com a ficção, convidava o leitor a visitar a Colômbia, numa história política feita de obsessões e conspirações que partia de dois assassinatos de figuras que tentaram transformar a Colômbia num país mais progressista: o de Rafael Uribe Uribe, em 1914, e o de Jorge Eleiécer Gaitán, em 1948. Um livro onde Vásquez se transformava, para lá de escritor, no narrador e investigador do livro, a peça central que tenta perceber como um crime ocorrido em 1914 marcaria a vida inteira de um país no século XXI.
Antes de “A Forma das Ruínas”, precisamente nove anos antes, Juan Gabriel Vásquez publicou “Os Informadores” (Alfaguara, 2020), um livro onde estão presentes alguns dos ingredientes que fizeram de “A Forma das Ruínas” um romance maior: a busca pela verdade, a vertigem e a interrogação histórica, o peso do passado e da culpa, a sombra da traição, uma ligação directa ao ouvido do leitor e, por cima de tudo isto, uma escrita burilada, elegante e carregada de enigmas, que fazem dele um dos grandes romancistas contemporâneos.
Gabriel Santoro tem uma relação difícil com o pai, um mestre da oratória que, na altura em que Gabriel laçou o primeiro livro, escreveu sobre ele uma crítica arrasadora, uma daquelas que tudo tem para levar à desistência. O livro contava a história de Sara Guterman, uma judia chegada à Colômbia os anos 1930 em fuga da Alemanha nazi, e que se veio a tornar uma grande amiga da família.
O desaparecimento do pai acaba por impelir Gabriel à descoberta da verdade, ao preenchimento de um estado permanente de inquietação: “Nesse momento, este livro não existia. Ainda não podia existir, claro, porque este livro é uma herança gerada pela morte do meu pai, o homem que, enquanto vivo, desprezou o meu trabalho (escrever sobre vidas alheias) e que depois de morto me deixou como legado o tema da sua própria vida. Eu sou o sucesso do meu pai e sou também o seu executor testamentário”.
Juan Gabriel Vásquez transporta o leitor até aos anos negros da Grande Guerra que, se geograficamente pareciam estar a um mar e um continente de distância, acabaram por mexer com a vida de muitos colombianos e exilados, excluídos da sociedade através da imposição de um regime que fabricava listas negras e se dedicava a afastar de mansinho – ou nem por isso – todos aqueles que considerava incómodos.
Na sua missão, Gabriel Santoro – e o leitor – vê-se confrontado com várias questões e dilemas éticos, perguntando-se até onde será legítimo fazer do privado público. É precisamente nessa interrogação que o escritor acaba por surgir como um depositário da memória, um cartógrafo da História, ainda que se revele “ilusória e ingénua qualquer intenção de o fazer escrevendo livros que muito poucos lêem, livros que não fazem mais do que trazer problemas a quem os escreve”. Um ambicioso e triunfal primeiro romance.
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