«Era capaz de atravessar a cidade em bicicleta só para te ver dançar. / E isso/ diz muito sobre a minha caixa torácica», não fosse este o poema mais curto em “Jóquei” (Tinta da China, 2014) o primeiro livro de Matilde Campilho. Um carrossel de imagens vivas em poemas sem regras, colocados em cima da mesa, escritos com toda a liberdade e ousadia e em alguns momentos transformados em prosa. E, para os que não sabem, misturados com outras línguas. Viagens entre o português, o inglês e o espanhol para a autenticidade vibrar em cada poema («You’re the sunshine in the morning/ of my life/ e conversar contigo de manhã/ é tão bom»).
O nome, Matilde Campilho, ressoa no mercado literário português e um pouco por todo o Brasil. Um ano depois do lançamento – a primeira edição foi lançada em abril de 2014 –, “Jóquei” continua a ser um fenómeno: os números mais recentes da Feira do Livro de Lisboa de 2015 não mentem. Por viver entre Lisboa e o Rio, tão diferentes e tão idênticos como se percebe cada vez mais por todas as formas de arte, trata-se de um livro “de todas as estações, transatlântico, luso-brasileiro” como escreve Pedro Mexia, em que os poemas são sobre tudo o que se é capaz de imaginar: «botecos e viagens, Eliot e o Financial Times, a vibração de um corpo humano e um emblema da Federação Uruguaia de Esgrima».
Com o pé descalço, o calor a efervescer cada vez mais e o Jóquei na mão. Imagem, entre tantas outras, criada após a leitura deste álbum luso-brasileiro, escrito entre Lisboa e o Rio de Janeiro, com pequenas anotações em português brasileiro e o português de “cá”, se é que se pode usar essa expressão – já que, ao longo da leitura de Jóquei, se esquece definitivamente onde começa Portugal e onde termina o Brasil, ou vice-versa. Uma mistura de culturas, de musicalidades e sonoridades.
Encarnam-se diversas personagens ao longo do livro desta poetisa (apesar de se intitular, em todas as entrevistas, como uma poeta): um trintão a escrever sobre tudo o que está na sua cabeça, com toda a prosa a demorar o leitor – história de encontros e desencontros, de reflexões sobre o dia-a-dia («O brasileiro acha que o amor é importante porra, eu cá não acho nada, só fui alinhando poemas, alinhando conchas, tirei o relógio nos últimos anos para escrever») ; de nostalgia ou de simples imagens, com os olhos atentos à mesa de um café ou de um restaurante – uma jovem rapariga interessada no outro, no poema “O amor faz-me fome” e tantas outras imagens criadas por Matilde Campilho. Talvez seja esse o seu ponto forte. O leitor sabe onde começa, onde assenta os pés, mas a determinada altura a viagem desta jovem poetisa já atingiu lugares inimagináveis. Começa no Brasil, ou mesmo em Brooklyn, para acabar num puro sentimento de amor ou de nostalgia em segundos ou em horas, dependendo sempre do comprimento de cada poema.
No fim, colhe-se com sofreguidão todos os frutos: toda a impulsividade, o amor ou o desejo. O leitor pode escolher o que desejar, e talvez seja essa variedade que torna “Jóquei” num dos livros mais apetecidos dos últimos tempos, quer para amantes de poesia ou meros conhecidos. Florbela Espanca escreveu que «ser poeta é ser mais alto/ ser maior/ do que os homens/ morder como quem beija», e não é que Matilde Campilho consegue, com estas viagem quente, ser maior? Beija todos os sentidos do leitor e não deixa ninguém insatisfeito. É necessário perguntar às ondas do mar, numa praia do Rio, sobre o nascimento do próximo livro de Matilde.
«Poderia escrever o teu nome/ 70 vezes seguidas/ Mas isso não espantaria/ a saudade que sinto/ de dizer o teu nome/ entre sal e dentes».
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