“As favelas do Rio não estão na periferia. Estão ao nosso lado, na vizinhança, na vista da janela. Em bairros pobres, em bairros nobres, nos cartões postais cariocas. O Rio é favela. Não só, mas também.” (André Diniz)
Escrito e desenhado por André Dinis, “Morro da Favela” (Polvo, 2020 – edição aumentada) retrata as memórias do fotógrafo Maurício Hora, nascido e criado no Morro da Providência, no Rio de Janeiro, a primeira favela brasileira nascida em 1897. Foi, aliás, Maurício que levou André Diniz a conhecer uma favela: “Com Maurício, estive em uma favela pela primeira vez. Foram vários os nossos passeios por lá. Ao seu lado, conheci cada canto do Morro da Providência, a primeira favela carioca. Mudei minhas impressões previamente formadas; poucas para pior, muitas para melhor. Hoje, se um morador me disser que jamais viveria em outro lugar que não na favela, eu acredito. Eu entendo sua razão”. A verdade é que muita coisa aconteceu e, desde 2012, André Diniz vive numa favela.
Depois de uma primeira edição, publicada em 2013 com o selo da Polvo, esta nova versão inclui 12 páginas inéditas, “fazendo a ponte entre o fim da BD e esta nova edição, bem como 4 novas páginas com fotos do Maurício, documentando o seu afã desde então”. O que se mantém, relativamente ao olhar externo, é “a indiferença, o desprezo e o ódio do resto da população”. Para André Diniz, tratou-se de fazer a ponte entre a realidade e a folha em branco: “Eu apenas traduzo para a linguagem dos quadradinhos”. Uma missão cumprida com distinção, assente num bom argumento e em ilustrações ainda mais incríveis, sempre num preto e branco desenhado num estilo muito próprio.
O livro conta a história de Maurício Horta e a sua relação com a vida e a morte, a polícia e os bandidos, a prisão e a liberdade. Alguém que, no Morro da Providência, descobriu ser “um fotógrafo favelado” e passou a ser olhado como “atravessado” pela gente do tráfico. Nascido no Morro em 1968, Maurício cresceu com um pai traficante que passou algumas temporadas na prisão, assistindo à criação da primeira “boca-de-fumo”, onde as drogas passaram a ser vendidas ao ar livre em vez de em casa.
Maurício não fez o jardim-de-infância e viveu preso em casa, criado pelos avós até aos seis anos. O seu percurso foi feito “em contramão da história do meu pai”. Ourives aos 13, aos 16 já ganhava uma boa nota como traficante, o único do gangue que não se metia em drogas. Acabou por ser uma Pentax a mudar-lhe a vida, fazendo dele um observador atento e um factor de mudança – foi dele que partiu a criação da Casa Amarela, um centro de artes comunitário.
Um recomendado livro de BD que, no Brasil, levou para casa o Prémio HQMIX 2012 nas categorias “Melhor Edição Especial Nacional” e “Melhor Roteirista Nacional”.
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