Richard Ford, um dos mais notáveis e fascinantes escritores americanos dos últimos tempos, habitou-nos a uma escrita envolvente, apaziguadora e introspetiva, mergulhando em temas como a família, o amor, as expectativas, as decepções, a solidão, a morte e a vida.
“O Jornalista Desportivo” (Porto Editora, 2020) não é sobre desporto, mas sim sobre a vida: os seus dilemas, alegrias e tristezas. E sobre Crise, talvez a palavra que melhor caracteriza este romance. A crise na família e no casamento. A crise da meia-idade. A crise masculina. A crise na profissão. A crise de um romancista fracassado – “Porque deixei de escrever?(…) Desisti da escrita a sério e arranjei um emprego a sério no seguro mundo do desporto”. As crises existenciais.
Acompanhamos a vida de Frank Bascombe, um homem de trinta e oito anos, divorciado, com uma namorada e um trabalho como jornalista desportivo. Para muitos homens da sua idade, isso seria motivo de alegria; porém, o desespero, a mágoa e a tristeza provocada pela morte do seu filho mais velho não o impede de transformar o luto num processo de auto-análise. Acalmando os receios existenciais, Bascombe olha em seu redor, inspirando-se no agradável subúrbio de Haddam, em New Jersey, lutando constantemente contra a alienação e a aleatoriedade dos dias.
Num tom confessional, Frank Bascombe narra como os seus dias foram dominados pelo arrependimento, evitando a ruína, batalhando para sentir que a vida valia a pena ser vivida. Afinal, “tudo o que realmente desejamos é chegar àquele ponto em que o passado não pode explicar nada do que somos e podemos seguir em frente com a nossa vida”.
Consciente dos mistérios da vida, de que nada perdura e que o presente deve ser vivido, afinal, no fio da navalha, o protagonista afaga a solidão entre cervejas, em visitas a bares e com pessoas com quem se vai cruzando. No Clube dos Divorciados conhece Walter Luckett, o mais recente membro. A troca de confidências une os dois homens, suscitando perguntas como esta: “Qual é a medida mais real da amizade? Eu digo qual é. A quantidade de tempo precioso desperdiçado com as calamidades e as asneiradas de outra pessoa.”.
A entrevista a Herb, o ex-jogador de futebol americano que está “confinado a uma cadeira de rodas devido a um acidente de esqui, mas que se tornou numa inspiração para os seus antigos companheiros de equipa pela coragem e determinação demonstradas”, transforma a esperança de um livro bem-sucedido numa história amarga. A paixão por Vicki – a atraente jovem enfermeira -, o pedido de casamento, obrigam a um novo recomeço quando a namorada vacila e afirma: “Nós não partilhamos os mesmos interesses (…). Eu simplesmente não te amo o suficiente para casar contigo”.
A vida é feita de e com pessoas, de encontros e desencontros, de começos e recomeços. “O Jornalista Desportivo” é um romance exímio. Publicado em 1984, deu início à chamada trilogia Bascombe, concluída com os títulos “O Dia da Independência” e “A Pele da Terra”.
Richard Ford é o único autor distinguido em simultâneo com os prémios Pulitzer e Pen/Faulkner para uma mesma obra – “O Dia da Independência”. Em Junho de 2016 foi distinguido com o Prémio Princesa das Astúrias das Letras e, em 2019, com o Library of Congress Prize para ficção americana.
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