Durante o primeiro grande confinamento, J.K. Rowling, conhecida sobretudo pelos sete livros que deram a conhecer ao mundo Harry Potter e companhia, disponibilizou de forma gratuita – e em site próprio – “O Ickabog” (Editorial Presença, 2020), uma história escrita aos bochechos entre os livros da recomendadíssima saga.
Ickabog, que deriva de Ichabod – que em inglês significa qualquer coisa como “sem glória” ou “a glória desapareceu” -, foi lido por Rowling aos seus filhos quando estes eram ainda muito pequenos, mesmo que a história não estivesse ainda terminada. Após ter arrumado com todos os livros de Harry Potter, a história incompleta acabou por ser atirada para o sótão, onde permaneceu até à chegada da pandemia, momento em que a autora britânica achou por bem resgatá-la, terminá-la e publicá-la online gratuitamente, pedindo às crianças que a ilustrassem – os concursos, para crianças dos 7 aos 12 anos, aconteceram em quase todos os cantos do mundo, Portugal incluído. A versão impressa chegou às livrarias na recta final de 2020, com o selo da Editorial Presença e incluindo os desenhos dos 34 vencedores do concurso nacional lançado pela editora. Os direitos de autor irão agora reverter para organizações e projectos internacionais, afectados pela Covid-19.
Estamos em Cornucópia, um reino que, há não assim tanto tempo atrás, havia sido um lugar bom para se viver. O rei era bigodudo, bem-disposto e justo, o ouro era muito e, quanto a talhantes, pasteleiros e fabricantes de queijo, prometiam fazer chorar quem provasse as suas iguarias – se não houvesse choro é porque a coisa não prestava. A única zona menos cool, uma espécie de cidade dormitório onde a névoa era o pão nosso de cada dia, dá pelo nome de Terrenos Pantanosos, um lugar a Norte do reino onde vivem “pessoas magricelas e andrajosas” e que, segundo a lenda, é o lar do monstruoso Ickabog,
O reino deixou de ser assim tão feliz porque Fred, o auto-proclamado “destemido”, começou a desleixar-se, deixando a governação entregue a uma dupla que, aos poucos foi minando a sua confiança, fazendo com que do Renascimento se fizesse inversão de marcha rumo à Idade Média. No meio de uma histeria colectiva, onde o Ickabog se torna no inimigo mortal que marcha sobre Cornucópia, caberá a duas crianças viver a aventura das suas ainda curtas vidas, e mostrar aos adultos o seu lado mais ridículo.
Fake news e jobs for the boys, corrupção e coragem – e a falta dela -, a instituição do medo e a injustiça, o poder absoluto e não escrutinado, impostos e esquemas de pirâmide, temas e assuntos que atravessam “Ickabog” de uma ponta à outra, numa história que mistura o mito do Bicho Papão, o clássico A Branca de Neve e o bem-disposto O Rei Vai Nu. Há vida para lá de Harry Potter.
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