Imagina que um dia, ao pesquisares no Google, o resultado seria qualquer coisa como “desconheço” ou, então, “dirige-te à biblioteca mais próxima e procura num livro”. Acharias estranho? Possivelmente. Sabemos que existem algoritmos que “são desenhados para nos mostrar aquilo que queremos ver, as opiniões ou conteúdos de quem respeitamos”. Sabemos que o Google não tem dúvidas, apenas certezas. Infelizmente, alguns resignam-se e aceitam toda a informação disponibilizada na Internet. Afortunados dos que gostam de livros e acreditam que a leitura desenvolve o “espírito crítico”. Se és um desses, vais adorar ler “Gosto, Logo Existo” (Planeta Tangerina, 2020) – com o subtítulo Redes sociais, jornalismo e um estranho vírus chamado fake news.
O livro de Isabel Meira é dirigido a jovens e a todos aqueles que se inquietam com as fake news, com o fenómeno das redes sociais, com os likes, a “pegada digital”, o uso excessivo dos telemóveis, os rumores, os boatos. A autora sublinha a importância de voltamos a pensar na famosa frase socrática “só sei que nada sei”, para humildemente reconhecermos que ninguém sabe o suficiente sobre um determinado assunto e que o importante é ter disponibilidade para construir conhecimento, para nos questionarmos, duvidarmos, reflectirmos e, desta forma, desenvolvermos o pensamento crítico que “é a nossa ferramenta mais valiosa para alcançar um conhecimento mais profundo sobre a realidade em que vivemos e assim compreender a verdade (ou as várias verdades) que nos acompanha(m) ao longo da vida”.
Os nativos digitais estiveram e estão sempre em contacto com as tecnologias. Vivem ligados. “Vivemos numa enorme bolha de likes e partilhas, gostamos e partilhamos, partilhamos e gostamos. Somos seguidores, seguimos, influenciadores, influenciamo-nos com qual objetivo?”. Para nos sentirmos bem? Para acreditar numa felicidade ilusória quando, afinal, muitas vezes estamos sós? Os nativos digitais creem no imediatismo e na gratuitidade. Mais uma ilusão. O acesso gratuito é pago com os nossos dados: as nossas preferências literárias, futebolísticas, gastronómicas ou outras mais íntimas. É importante dar tempo ao tempo, pois este é precioso e mestre na arte de fazer, de pensar e de sentir. A nossa relação com o mundo deve ser “ponderada, atenta e crítica”. A informação fidedigna implica “recolher informações, fazer perguntas, comparar dados, fazer contas, verificar factos, reunir opiniões. Voltar a verificar factos… há investigações que demoram meses ou mesmo anos!”.
“Gosto, Logo Existo” é um livro híbrido, onde a informação, os factos históricos, a estatística e o questionamento se cruzam com uma narrativa apelativa e estimulante. Sem falsos moralismos, alerta o leitor para a valor do pensamento crítico, da liberdade e da privacidade. Uma verdadeira lição de literacia mediática.
Há livros repletos de perguntas, umas mais evidentes, outras mais dissimuladas. Há livros inquietantes e provocadores. Há livros que aguçam a atitude de dúvida, que parece ser contrária “à natureza humana”. Há livros que são tão bons, mesmo muito bons, que os queremos por perto. “Gosto, logo existo” é um desses livros.
Isabel Meira nasceu no Brasil, cresceu em Portugal. Aprendeu com o pai a ler jornais e a fazer palavras cruzadas. Estudou letras, tradução e jornalismo. Trabalhou como jornalista no Rádio Clube Português, na TSF e colaborou com o canal Euronews. É uma das autoras do documentário “Verdade ou Consequência”, sobre a pós-verdade, emitido pela RTP. Não tem Facebook, nem Instagram, nem TikTok. Está preocupada com o futuro. Gosta mais de ouvir do que de falar. Gosta mais de fazer perguntas do que de dar respostas. Fica muitas vezes parada a ouvir o som das coisas.
Bernardo Carvalho fez o Curso de Desenho na Sociedade de Belas Artes. Aos 22 anos entregava empadas em cafés numa carrinha. Quem o conheça não terá dificuldade em adivinhar a causa do despedimento (“esmagamento e furto de empadas” constava no processo). Foi assim que começou a sua carreira de desenhador. Em 1999, fundou o Planeta Tangerina. Desde então ganhou vários prémios, entre os quais constam BolognaRagazzi Awards (Non-fiction, 2019 / Opera Prima, 2015); Prémio Nacional de Ilustração 2009; “Melhor Livro” Banco del Libro (Venezuela) e a nomeação para a Lista de Honra do IBBY.
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