Publicado originalmente em 2012, “O Livro Negro” (Editorial Presença, 2020), o segundo romance de Hilary Mantel da trilogia dedicada a Thomas Cromwell, foi distinguido com o prestigiado Man Booker Prize, a mesma honraria que havia sido já concedida ao predecessor “Wolf Hall”. O caso não é para menos, uma vez que a autora britânica tem o poder de contar episódios históricos com o mesmo jogo de cintura e a imaginação com que o fazia Xerazade, fazendo com que mesmo o leitor avesso a romances históricos se sinta embrenhado e transportado até ao ano de 1535, quando “a Inglaterra vem desfrutando de cinquenta anos de paz. É este o pacto dos Tudors, e a paz é o que eles oferecem”.
Thomas Cromwell tem agora perto de cinquenta anos, e será difícil pensar que alguma vez tenha chegado a sonhar tão longe. Tem a vida feita, um mealheiro apreciável e, quanto à esfera de poder, desempenha o cargo de primeiro-ministro de Henry VIII, que acumula com os cargos de conselheiro, chanceler-mor, secretário-mor e reitor da Universidade de Cambridge.
Quanto a Anne Boleyn, após uma ascensão que implicou uma guerra religiosa e um piscar de olho ao conflito militar, parece ter os dias contados, isto depois de falhar na missão de dar um herdeiro ao rei. Henry não se perde e, em três tempos, escolhe Jane Seymour para próxima conquista e devaneio, cabendo a Cromwell arrumar a casa, encontrar uma solução que satisfaça o rei e proteja a nação e, claro está, não dê cabo da sua carreira, conquistada degrau a degrau. A solução, essa, e à semelhança da usada anteriormente com Thomas Moore, deixa Cromwell e Henry com as mãos manchadas de um vermelho vivo.
Sobre o Livro Negro, diz-se a certa altura que “rege o pessoal da casa: rege tudo, na verdade excepto a câmara privada do rei, cujos mecanismos não são transparentes”. São estes os mecanismos que Hilary Mantel trata de desmontar a mestria de uma relojoeira, numa história arrebatadora de fúria, terror, vingança, poder e visão estratégica, que nos oferece tanto o lado público como privado da História, que será concluída no colossal “O Espelho e a Luz”.
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