No mundo actual, em que os dados estatísticos estão omnipresentes, coexistem duas visões acerca da ciência que os produz: para alguns, ela não passa de “um jogo pejado de trapaceiros e vigaristas”, cujas artimanhas importa desmascarar; todavia, para outros, é uma ferramenta que pode salvar vidas, quando utilizada de forma honesta e apropriada. Tim Harford, autor de “O que os Números Escondem” (Objectiva, 2020), assume enquadrar-se nesta segunda visão e demonstra, numa linguagem rigorosa – mas clara e bem-humorada -, como a estatística pode mudar o mundo para melhor, apresentando ao leitor “dez regras para aprender a decifrar informação e compreender melhor o mundo”, bem como uma “regra de ouro” adicional, que é um fio condutor de todas as outras.
Harford, sendo um economista conceituado, que colabora com diversas publicações periódicas e participa em programas de rádio e televisão, tendo já recebido vários prémios na área do jornalismo económico, não nega a difusão de falsidades disfarçadas de dados estatísticos. Pelo contrário, aponta uma série de situações criticáveis, inclusivamente no meio académico, e explica o que deve ser feito para evitá-las, ou detectá-las e combatê-las, desde enviesamentos humanos na recolha de dados, até à manipulação de gráficos, passando pela confiança excessiva nos computadores, a qual pode ser desastrosa porque “se mostrarmos uma amostra falseada do mundo aos algoritmos, eles chegarão a uma conclusão falseada”.
No entanto, como reza um aforismo popular entre os profissionais da área, “é fácil mentir com a estatística, mas é ainda mais fácil mentir sem ela”. Isto é atestado pelas tentativas, por parte de algumas forças governamentais denunciadas pelo autor, de distorcer, desacreditar ou suprimir a produção de dados estatísticos profissionais e imparciais.
A solução para o problema, segundo Harford, não é ceder ao “cinismo estatístico”, “à tentação de sentir que deixámos de ter o poder de perceber o que é verdade”, pois assim “estaremos a prescindir de uma ferramenta vital”. Com dados fiáveis e métodos correctos, a estatística ajuda-nos a descobrir factos, tais como as variáveis que contribuem para determinada doença, permitindo aos indivíduos tomarem decisões informadas e aos governos definirem políticas de saúde. Aliás, todas as políticas públicas, incluindo as estratégias seguidas em matéria de educação, apoios sociais e prevenção da criminalidade, são passíveis de aperfeiçoamento se recorrerem a esta ciência. Por isso, aquilo que o autor procura fazer através deste livro é ajudar o leitor a avaliar as alegações com que se depara e a utilizar as estatísticas com mais sensatez. A maioria dos conselhos fornecidos não envolve conhecimentos técnicos, mas sim hábitos que qualquer pessoa pode pôr em prática. Sem revelar demasiado, podemos afirmar que o mais importante é a disponibilidade para aprender e mudar de opinião perante novas informações, mantendo a curiosidade saudável que conduz a um conhecimento mais profundo do mundo.
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