Segundo o Centro Nacional de Crianças Desaparecidas e Exploradas, cerca de 800 000 crianças são dadas como desaparecidas todos os anos nos Estados Unidos da América. A maior parte é encontrada, mas o rasto de milhares perde-se para sempre. Esta informação constitui o cerne do mais recente livro de Stephen King publicado em Portugal, intitulado “O Instituto” (Bertrand Editora, 2020).
O protagonista, Luke Ellis, tem doze anos, pais que o adoram, boas competências sociais, um intelecto brilhante e um futuro promissor. Frequenta uma escola para crianças excepcionais e está prestes a ingressar em duas universidades conceituadas ao mesmo tempo. A fraca capacidade de telecinese, que por vezes manifesta, é desvalorizada tanto pelo próprio como pela família, mas causa uma mudança radical na sua vida: de noite, uma equipa armada invade-lhe a casa, mata-lhe os pais e leva-o para o Instituto, onde crianças e adolescentes com dons paranormais são aprisionados e sujeitos a estranhos procedimentos.
Dizem a Luke que passou a ser um soldado numa guerra não declarada, mas o rapaz equipara as intervenções a que é submetido às experiências conduzidas nos campos de concentração nazis. Cedo deduz que, tal como as populações que viviam perto desses campos preferiam ignorar o que neles se passava, a existência do Instituto é mantida em segredo com a cumplicidade das gentes das redondezas, cuja sobrevivência económica depende dos funcionários dessa organização.
Embora tente apelar à decência humana daqueles que o maltratam, Luke só encontra frieza e crueldade em quase todos. Alguns sempre foram sádicos, outros perderam a capacidade de sentir empatia por crianças que veem como cobaias, ou peças de uma engrenagem que serve um bem maior, desumanizando-as de uma maneira que justifica todos os abusos perpetrados, tal como várias religiões e ideologias sempre fizeram e continuam a fazer. De facto, a equipa inteira do Instituto, desde os dirigentes, “até ao mais humilde zelador, entendia que nada mais nada menos que o destino do mundo estava nas mãos deles, como tinha ficado nas mãos dos que tinham vindo antes. Não era só a sobrevivência da raça humana, mas a sobrevivência do planeta. Eles entendiam que não havia limites para o que podiam e iriam fazer para alcançar esse objetivo”.
Nesta história inquietante, os monstros são os seres humanos. A localização do Instituto no meio duma floresta e a descrição dos funcionários como ogres não são, certamente, acasos. Pelo contrário, parece haver aqui uma evocação do ambiente dos contos infantis tradicionais, não faltando sequer um herói, acidental ou talvez não, que redime a Humanidade através da sua prontidão para arriscar a vida na tentativa de salvar crianças.
Luke é um excelente jogador de xadrez, que sabe encontrar aliados e explorar as falhas dos oponentes, mas estes têm agentes no país inteiro e recursos inimagináveis. O desenlace permanece uma incógnita até ao fim, graças à mestria do autor. Com descrições pormenorizadas e diálogos credíveis, Stephen King consegue dar à sua obra uma qualidade cinematográfica, mantendo a narrativa tão realista quanto possível no domínio da literatura fantástica.
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