A lenda semi-factual dos Doze de Inglaterra é um dos episódios da História de Portugal que Luís Vaz de Camões seleccionou para integrar “Os Lusíadas”. Segundo a narrativa tradicional, doze damas inglesas foram injuriadas por outros tantos cavaleiros ingleses, pelo que apresentaram queixas ao Duque de Lencastre. Este, não querendo afrontar directamente os cavaleiros para não agravar um problema interno, solicitou o auxílio do genro, o Rei D. João I de Portugal, que prontamente enviou nobres portugueses para defenderem, em combate, o bom nome das senhoras. Um destes homens era um beirão chamado Álvaro Gonçalves Coutinho, que protagoniza o mais recente livro de Tiago Salazar, intitulado “O Magriço” (Oficina do Livro, 2020) – a verdadeira história de D. Álvaro Gonçalves Coutinho, um dos Doze de Inglaterra.
Esta autobiografia ficcionada começa em 1448, quando D. Álvaro está envelhecido e se dedica à escrita das suas memórias como quem se confessa, para expiação dos seus pecados. Segundo conta, nasceu para ser guerreiro, pois a sua linhagem não permitia qualquer alternativa, e nunca viu “outro mundo onde não fosse preciso erguer o punho, brandir uma arma, vociferar”. Sendo segundo filho, soube desde tenra idade que nada herdaria do pai, restando-lhe conquistar por mérito próprio um lugar no mundo. Devido à magreza e à baixa estatura, recebeu a alcunha de “magriço”, que muito o desgostou até aprender a tirar partido dessa compleição física. A sua educação é tal que, quando chega ao Paço Real para se fazer cavaleiro, “já havia muito que sabia montar ou manejar uma arma e tinha inculcada a certeza de vir a matar quantos tivesse pela frente, e a morrer, se fosse preciso, por uma ideia de pátria”.
Ainda jovem, D. Álvaro apaixonou-se e foi correspondido, mas o par enamorado foi separado pelas famílias de ambos, com a ajuda do rei. O ressentimento nascido da perda desse amor não o impediu de servir a coroa, mas acabou por levá-lo a partir para vender bem longe os seus préstimos, encontrando nas viagens o prazer de “descobrir outras terras e outras manhas”. Voltará a Portugal mais rico em experiências, mas igualmente incapaz de ser um bom fidalgo e de alcançar o equilíbrio desejável nas suas relações com o poder e com as mulheres.
Toda uma era conturbada ganha vida neste romance histórico, graças à descrição vívida das aventuras de uma figura verídica, que sobreviveu “à morte, às emboscadas, à tortura, às querelas palacianas e às traições”.
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