Um casamento destroçado, um filho perdido, o medo de amar cravado no fundo da alma, a inabilidade física para sentir tremer a tremer debaixo dos pés. É este o estado de espírito de José Artur Drumonde quando, numa tarde como as outras – mas sempre diferente, o tempo é ciclicamente incerto – na Ilha Terceira, se descobrem ossos humanos na casa do seu avô, que anda a reconstruir ao mesmo tempo que se vai (re)construindo – ainda que não o saiba – a si próprio.
É neste cenário de segredos enterrados que tem início “Arquipélago” (Marcador, 2015), o romance de Joel Neto que, muito provavelmente, pode ser considerado o melhor livro nacional do ano até à data. Depois de vinte anos em Lisboa, Joel Neto vive agora no lugar dos Dois Caminhos, na Ilha Terceira, Açores, «onde tem um cão, um jardim de azáleas e uma horta» (da badana da capa). Mantém várias colunas na imprensa nacional, entre as quais se destaca A Vida no Campo, publicada de segunda a sexta-feira no Diário de Notícias.
Passaram-se 35 anos desde que o pequeno José Artur deixou a Ilha pela mão parental, muito por culpa de uma zanga entre o pai e o avô que dividiu a família e a deixou separada por um mar imenso e anos de silêncios. Regressado à terra com o estatuto de professor universitário, José Artur vem com o objectivo – inalcançável, de acordo com o seu orientador – de mostrar que os Açores são, de facto, a reminiscência da Atlântida. Uma ideia que terá nascido quando, dois anos antes, num passeio de fim de tarde pelos antiquários da Rua de S. Bento, viu uma escrivaninha de jacarandá «largada a um canto, bela e destruída, acabada de trazer de alguma ruína em demolição.» Depois de a aliviar do pó e de a benzer com parafina e hidrocarbonetos, reparou que ainda lá estavam dentro os papéis do anterior proprietário, entre os quais o Diário de Viagem do britânico Gordon Mason, escrito em 1880, e que falava de um misterioso grupo chamado Justiça da Noite, assente em sociedades secretas de dez elementos, onde cada um deles simbolizava um dos dez filhos de Poseidon.
O regresso aos Açores, porém, revela-se bem mais que uma pura missão académica, numa terra onde as pessoas perdoam tudo menos que se diga não a um convite feito de boa vontade. Numa paisagem que muda de dia para dia e que conta sempre uma história diferente, José Artur toma as rédeas de uma investigação que o levará a descobrir os muitos segredos que habitam a sua árvore genealógica, mas também uma história oculta do arquipélago onde cabe uma seita ritualista e personagens que não se sabe pertencerem ao mundo real ou ao dos sonhos. E há também Luísa, a mulher que José vai amando em silêncio, afastada do trono ocupado pela ruína, a eterna paixão – ou fado – de José.
História de amores e desamores, finais e recomeços, “Arquipélago” tem o perfume dos grandes clássicos e o fôlego de uma grande epopeia, vivida num dos últimos paraísos da Terra. Um livro belíssimo.
1 Commentário
Com muita vergpnha minha confesso que nao cpnheço a obra deste escritor terceirense, gostri muito do artigo e de certeza que vou adquirir este livro.