“O Olhar que me Persegue” (D. Quixote, 2020), livro escrito pela académica e psicóloga norueguesa Helene Flood, retrata de forma original e retrata, de forma admirável, episódios da vidacontemporânea de um jovem casal norueguês de Oslo, num ambiente de uma inconfessada solidão. Uma história que tem início com o súbito desaparecimento de SIgurd (o marido) e se adensa, em mistério e inquietação, através do entreabrir vagaroso da história de Sara (a mulher), sozinha na casa a partir do dia em que o marido sai de madrugada para passar um fim- de-semana com amigos.
Sara exerce a sua prática clínica em casa, num gabinete sobre a garagem construído pelo marido, arquitecto de profissão, único espaço acabado numa casa em arrastada e sempre adiada remodelação, que surge como uma terceira e muito incómoda personagem, retratando metaforicamente a relação instável, inacabada e, porventura, em desconstrução de Sara e Sigurd.
Entre a acção presente, assumida na primeira pessoa e protagonizada por Sara, surgem capítulos dedicados ao passado do casal, à família de cada um deles e à casa herdada, em tempos habitada pelo avô de Sigurd, “o velho Torp”, um comunista cheio de profecias que vivia apenas no sótão da casa, “na sua torre de controlo”, onde vem a ser tragicamente descoberto, morto há semanas, pelo neto e por Sara.
O thriller encerra muitas emoções e situações traumáticas, com a trama a desenrolar-se numa perturbadora e arrepiante história “a conta-gotas”, que retrata também a história de Sara e os seus sentimentos de culpa, vitimização, abandono, solidão, perdas emocionais, inabilidade social, falta de amor e de atenção.
A casa, caótica e inconfortável, provocando momentos de tensão no casal – pejada de paletes de madeira e com as paredes, superfícies e canalizações inacabadas -, é o espelho e a testemunha silenciosa de um relacionamento complexo, no qual não existe verdadeira comunicação emocional.
Prender um leitor até à última página é uma arte em suspenso e, neste caso, Helene Flood encaixa milimetricamente as pequenas peças de um complexo puzzle de forma magistral.
Sem Comentários