Segundo Jerónimo Pizarro, a proposta de antologia que resultou neste “Prosa Antologia Mínima” (Tinta da China, 2020) obrigou-o a “percorrer inúmeros volumes da obra publicada de Fernando Pessoa e algumas pastas onde guardo materiais inéditos já pré-transcritos”. E, se a prosa nasce da palavra e o verso directamente da voz, Fernando Pessoa reuniu estes dois universos e foi tanto prosador como poeta, ainda que tenha sido quase sempre a poesia a servir como cartão-de-visita.
É uma Antologia Mínima mas muito bem desenhada, tendo ficado de fora, segundo Pizarro, textos breves ou notas dispersas, por serem em grande número ou constituírem esboços de textos que não foram desenvolvidos – ou que acabaram por ser retomados em escritos mais extensos. Para além do clássico e incontornável Livro do Desassossego, há também “escritos sócio-políticos, filosóficos, esotéricos, epistolares, teóricos”, como também aforismos, ficções breves, textos publicitários e cartas escritas a Ofélia ou a Mário de Sá-Carneiro.
“Os doidos é que têm o cérebro lúcido; confuso e louco é o cérebro dos que não são doidos”. É com este mantra que começa esta Viagem Espiritual em prosa, onde há ainda espaço para o humor japonês – “Preciso explicar que as minhas ideias do Japão, da sua flora e da fauna, dos seus habitantes humanos e das várias modalidades de vida que lhe são próprias, derivam de um estudo demorado de vários bules e chávenas.” -, a miséria da existência – “Quando acabará isto tudo, estas ruas onde arrasto a minha miséria, e estes degraus onde encolho o meu frio e sinto as mãos da noite por entre os meus farrapos?” -, o negar das certezas absolutas – “Convicções profundas, só as têm as criaturas superficiais” -, regras para uma vida feliz – “Faz o menor número possível de confidências” ou “Organiza a tua vida como uma obra literária, colocando nela o máximo de unidade possível” – ou aquilo que poderá servir como uma auto-definição aberta ao debate – “Sou um temperamento feminino com uma inteligência masculina”. Um bom ponto de partida ou de retorno à obra em prosa de Fernando Pessoa, em mais uma bonita edição de cantos redondos onde há lugar para reproduções de edições originais, recortes de jornais, cartazes ou anúncios de imprensa.
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