Diz o provérbio antigo, e subscreve-o a autora Vanessa Springora, que a vingança é um prato que se come frio. Neste caso, trata-se de um livro. Springora preparou-o muito bem, de forma sóbria, e agora serviu-o ao mundo. Consumido com perplexidade e choque um pouco por toda a parte, é impossível não sentir a indigestão que provoca “Consentimento” (Alfaguara, 2020).
O livro é mais do que uma vingança, é uma denúncia “para que não esqueçam”. É uma obra autobiográfica da editora e escritora, que trata da sua relação com o escritor Gabriel Matzneff, nos anos 80. Uma “história de amor” entre Vanessa, com apenas 14 anos, e Gabriel, com 50. “Conheci G. aos 13 anos. Tornámo-nos amantes quando eu tinha 14, agora tenho 15 e não é possível fazer comparações porque nunca estive com outro homem”. A autora passava tardes inteiras num hotel com Matzneff, que ia buscá-la ao portão da escola. O caso de Vanessa não era o único, já que Matzneff tinha outros jovens amantes (rapazes e raparigas), quase sempre adolescentes, e não escondia de ninguém as suas preferências sexuais. Afirma-o até no seu livro, Les moins de seize ans, (As menores de dezasseis anos, em tradução livre), em 1974. Era, portanto, conhecido no meio literário o seu instinto predatório por menores, sendo até admitido que uma pessoa a partir dos 10 anos já tem uma pulsão sexual que deve ser explorada, e por que não com alguém mais velho. Era também sabido que o autor fazia turismo sexual nas Filipinas, onde procurava crianças e adolescentes. Nunca ninguém fez nada. Pois bem, Vanessa decidiu, finalmente, fazer algo. Depois de várias décadas a sofrer de depressão e de consumo de drogas, conseguiu escrever este livro.
A história de “Consentimento” passa-se em Paris, em meados da década de 80. A jovem V. procura nos livros algo que compense a carência emocional iniciada pela separação dos pais. Num jantar, e com 13 anos, conhece G., um escritor. Sente imediatamente o olhar sedutor que lhe é lançado, e depois de ser cortejada por várias semanas, V. torna-se amante do escritor. Quando a jovem adolescente se apercebe de que o escritor mantém relações com vários adolescentes, e que faz dessas o conteúdo dos seus livros, V. fica terrivelmente desgostosa. A adolescente percebe que não está a viver uma história de amor e que a pessoa a quem se entregou não é um homem bom.
Consentimento é um livro imperdível, marcante, e não recomendado a quem procura uma refeição ligeira ou um prato de degustação. Trata-se de algo que empanturra e desatina.
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