Estão, para o policial nórdico, assim como Hannibal Lecter está para o canibalismo gourmet. Apesar do que o nome poderá levar a crer, Lars Kepler é uma construção feita com duas mãos e outro par de cabeças, o pseudónimo literário escolhido por Alexander Ahndoril e Alexandra Coelho Ahndoril para uma das mais duradouras e entusiasmantes séries policiais que vêm do frio – neste caso, da Suécia.
“O Homem-Espelho” (Porto Editora, 2020) é já o oitavo livro da recomendadíssima série que tem, como protagonista, Joona Lina, que está de volta ao seu cargo de comissário do Departamento Nacional de Operações da Polícia sueca, recuparando também o seu antigo gabinete no oitavo piso. Mas nem tudo são rosas, muito por culpa da sua nova chefe Margot: “– Eu sei que podias fazer as coisas à tua maneira no tempo do Carlos, e não pretendo entrar em conflitos contigo em relação a isso, ainda que seja uma forma ultrapassada de trabalhar – explica ela. – Os teus resultados são extraordinários no bom e no mau sentido… Sais muito caro, deixas um rasto de destruição atrás de ti e exiges mais recursos do que qualquer outra pessoa”.
Num dia em que regressa a casa depois de um dia de aulas, Jenny Lind é raptada. Cinco anos mais tarde volta ao radar, quando o seu corpo é encontrado sem vida num parque infantil de Estocolmo. À força de muito trabalho policial e com ajuda de câmaras de vigilância, Joona Linna consegue identificar uma testemunha ocular que poderá ser decisiva para a investigação. O problema é que esta testemunha, de nome Martin, sofreu um trauma em criança, num acidente em que morreram os pais e os irmãos, tendo mais recentemente perdido a filha, que morreu no gelo enquanto dava um passeio consigo.
Um outro regresso que se sauda de braços abertos é o de Erik Maria Bark, o hipnotista que conhecemos no início da saga, e que irá desempenhar neste livro um papel muito importante. Ele que descreve a sua arte desta forma: “A hipnose talvez soe um pouco esotérica, mas não passa de um estado natural que consiste no relaxamento e na concentração interior. (…) Já explico como funciona na prática, mas o princípio básico é que ponhas de lado uma grande parte da atenção que prestas ao mundo que te rodeia, mais ou menos como quando vais ao cinema… mas na hipnose dirigimos a atenção para dentro, em vez de acompanharmos o filme… é essencialmente isso”.
Comparada a outros pares de geografia, a escrita de Lars Kepler é muito mais incisiva, negra e física, uma que vai literalmente ao osso, com laivos de sadismo que provocam muitas vezes arrepios. Para quem habitualmente se diverte a tentar deslindar o caso enquanto vai passando as páginas, este policial promete dar muito trabalhinho à mioleira.
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