Quem já teve o prazer de ler alguma obra de José Eduardo Agualusa sabe que se irá vaguear entre um realismo ilusório (qualquer tipo de paradoxo fica desde já vetado) e uma poesia efabulatória, sem complexos, que desafia os cânones da mais convencional literatura.
Autor de títulos como “Lisboa Africana”, “Estação das Chuvas”, “O Vendedor de Passados” ou “Educação Sentimental dos Pássaros”, Agualusa faz-nos agora chegar “O Livro dos Camaleões” (Quetzal, 2015), uma compilação de contos inéditos e já conhecidos, dispersos em publicações várias entre Portugal e o Brasil e que, segundo o autor, fazia todo o sentido partilharem o mesmo espaço físico.
Ainda que a sua natureza seja diversa, “O Livro dos Camaleões” encontra o fio condutor numa característica comum associada aos seus personagens que são figuras de personalidade esguia, em busca de uma identidade própria. No fundo, camaleões em si mesmos, principalmente quando Agualusa “brinca” com algumas figuras por si criadas que remetem para pessoas de carne e osso, ávidas representantes da sociedade angolana e cujos pensamentos podem dar pérolas como esta: «À escala da eternidade, toda a improbabilidade é mais do que certa. Tudo o que pode acontecer, acontecerá.»
E, de facto, não há fronteiras para a imaginação de Agualusa, que tece contos de temática variada: como a descrição de uma passagem de ano que funde esperança, desejos e um certo conformismo; ou um construtor de castelos preso no espaço e no tempo, refugiado na sombra de uma mangueira cujo piscar de olhos é sinónimo de mudanças, de companhias que desafiam o existir; um amor escarlate, que representa o outro lado da vida sobre a forma de margem certa; a fragilidade da nudez de alguém que recusa aceitar a sua genealogia perante uma tempestade, cuja intempérie atinge de fora para dentro; a sombra de um homem desmemoriado pela guerra, que encontra o norte num espectáculo de marionetas; um vendedor em busca de África; um personagem de um romance com vida própria, que se refugiava no anonimato patrocinado por um chapéu misterioso; deuses comparados a baratas e epifanias que fazem virgens perderem a cabeça; zebras que podem, ou não, gostar de melancia; um democrata déspota que percorre a história recente de uma Angola pré e pós independência e se refugia no sábio silêncio; um nefasto e longo conto com alguns personagens queirosianas sobre a soberba, a preguiça e os desvarios da burguesia lusitana; o pânico induzido, sem nome ou rosto, que leva a ensaiar fugas sem destino.
Seja qual for o tema, Agualusa demonstra – e sublinha – em “O Livro dos Camaleões” uma escrita fluida e cristalina, pensada numa vertente intrínseca às suas criações humanas, que optam e seguem uma via filosófica original, curiosa e relevante, no fundo à imagem do próprio original acto de escrever do autor africano, que conduz a sua obra de forma crente, séria e recheada de sentidos vários e sempre pertinentes, assumindo-se como um «angolano em viagem, quase sem raça».
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