Existem livros sérios e factuais que assustam mais do que histórias de terror ou distopias de ficção científica. “O Crepúsculo da Democracia: O Fracasso da Política e O Apelo Sedutor do Autoritarismo” (Bertrand Editora, 2020), onde se afirma que, “reunidas as condições necessárias, qualquer sociedade pode virar-se contra a democracia“, é um desses livros.
A autora é Anne Applebaum, uma jornalista distinguida com um Prémio Pulitzer, que se identifica com a direita liberal e defensora do Estado de Direito. Com desilusão, conta-nos como assistiu à mudança radical de amigos e conhecidos, que partilhavam as mesmas ideias e hoje são partidários de regimes autoritários. Em associação com as suas experiências pessoais, descreve como, um pouco por todo o mundo, determinados factores se conjugam para degradar as instituições democráticas, mesmo em países com economias e demografias muito diferentes, sendo destacados os casos da Polónia, da Hungria, do Reino Unido, de Espanha e dos Estados Unidos da América.
Um factor sempre presente é a imperfeita natureza humana. Num ambiente complexo, algumas pessoas são atraídas por ideias autoritárias, porque a complexidade as incomoda: preferem a unidade às divisões e procuram soluções que as façam sentir mais seguras. Existem também os nostálgicos de um passado idealizado e os intelectuais insatisfeitos, dispostos a apoiar um líder que os eleve à posição de que se julgam merecedores.
Um exemplo é a campanha pelo Brexit, durante a qual se partiu da publicação, numa certa imprensa, de “histórias não-totalmente-precisas”, que agradavam aos leitores mais conservadores e nostálgicos do poder do império britânico, para se chegar a declarações falsas, manipulação de dados e ataques ao sistema judiciário.
Os opositores da democracia têm sabido explorar igualmente bem as fragilidades humanas e as novas vias de comunicação proporcionadas pelas redes sociais. Segundo a autora, “estamos agora a viver uma rápida transformação na forma como as pessoas transmitem e recebem informação política”, de tal maneira que desapareceu o mundo em que “as opiniões divergiam, mas pelo menos quase todas as pessoas discutiam sobre os mesmos factos”. Os algoritmos informáticos concebidos para estimular a permanência nas redes sociais contribuem para construir realidades paralelas e disseminar teorias da conspiração que concedem aos crentes “a gratificante sensação de ter acesso especial, privilegiado, à verdade”. Assim se provoca a polarização extrema da opinião pública, que destrói a coesão social e facilita o resvalar da democracia para a tirania.
Apesar do medo do futuro que esta obra desperta, recordando-nos que a História não avança sempre no sentido de um maior bem-estar social e daquilo que a maioria das pessoas considera o progresso, isso não significa que não se trate de uma leitura recomendável. Antes pelo contrário, torna-se cada vez mais urgente, na conjuntura actual, entender as estratégias de manipulação empregues pelos demagogos no seu assalto ao poder. Talvez assim seja possível resistir melhor aos seus argumentos e evitar que outros à nossa volta sejam atraídos pelos seus engodos, pois “independentemente do equilíbrio a que uma nação chega, há sempre alguém, no país ou no estrangeiro, com razões para o destabilizar”.
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