Apesar de ter resultado num projecto inacabado, a “Biblioteca pessoal” (Quetzal, 2014) de Jorge Luis Borges é um livro extraordinário, que mostra todo o poder de síntese e a genialidade do escritor argentino que, em cerca de duas páginas por entrada, nos apresenta a um autor da sua preferência, naquilo que seriam, em princípio, os prólogos de textos maiores, quase enciclopédicos.
Nestas sessenta e quatro entradas (de um total previsto de cem), Borges segue uma máxima que não se cansou de repetir ao longo da vida: «Que outros se gabem dos livros que lhes foi dado a escrever; eu gabo-me daqueles que me foi dado a ler». Trata-se de uma escolha pessoal e muito heterogénea, uma biblioteca de preferências onde cabem Kafka, Ibsen, Eça, Wilde, Hesse ou Swift.
Mesmo que os prólogos não se tenham tornado mais volumosos em termos de páginas, cada um deles revela-se uma pequena preciosidade onde, em poucas palavras, Borges executa um passe de mágica que nos apresenta ao escritor, à época em que viveu e a uma das suas obras maiores, agindo como um guia literário que faz nascer em nós, leitores, a paixão e a vontade de ir mais além, seja lendo as biografias ou o legado literário que cada um deles nos deixou.
Num texto sobre Borges e a sua obra, é impossível não partilhar as suas palavras, como estas que escreveu no prólogo: «Um livro é uma coisa entre as coisas, um volume perdido entre os volumes que povoam o indiferente Universo, até que encontra o seu leitor, o homem destinado aos seus símbolos. Acontece então a emoção singular chamada beleza, esse mistério belo que nem a psicologia nem a retórica decifram. “A rosa é sem porquê”, disse Angelus Silesius; séculos depois Whistler declararia “A arte acontece”. Oxalá que sejas o leitor que este livro aguardava». Um livro precioso, como são todos os de Borges.
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