As imagens cercam-nos. Algumas são tão familiares que quase passam despercebidas, outras surpreendem-nos pela sua originalidade, mas todas fazem parte das nossas vidas, tal como as histórias que lemos ou ouvimos contar. Sem dúvida que uma pessoa cega dispõe de outras formas de percepção que permitem gerar “imagens” mentais, mas é inegável que, para aqueles que podem ver, “a existência acontece num rolo de pergaminho desenrolado de imagens capturadas pela visão e aumentadas ou moderadas pelos outros sentidos, imagens cujo sentido (ou presunção de sentido) varia constantemente, construindo uma linguagem feita de imagens traduzidas em palavras e palavras traduzidas em imagens”.
A citação é de Alberto Manguel (1948, Buenos Aires) ensaísta e romancista premiado, que foi director da Biblioteca Nacional da Argentina entre 2016 e 2018. O livro de onde ela provém, intitulado “Ler Imagens: Em que pensamos quando olhamos para arte” (Almedina, 2020), é uma obra fascinante, através da qual percorremos séculos, guiados pelo gosto do autor em “encontrar histórias explícita ou implicitamente entretecidas em todos os tipos de obra de arte”, bem como pela necessidade que sentiu de reclamar, para os espectadores comuns, a responsabilidade e o direito de ler essas imagens e histórias.
Embora se interrogue acerca da possibilidade de ler todas as imagens, o autor conclui que todas permitem uma leitura apenas limitada pelas nossas capacidades. Todavia, apesar do risco de a imposição de uma leitura distorcer o que se tenta compreender, defende que a familiarização com um vocabulário partilhado é crucial para deslindar os seus significados, pois “é com dificuldade que distinguimos aquilo que não conseguimos nomear”.
Partindo desse pressuposto, cada capítulo do livro apresenta uma obra de arte como ponto de partida para um pequeno ensaio, no qual se cruzam várias linhas narrativas: a história sugerida pelo título da obra, as circunstâncias em que nasceu, a biografia do(a) criador(a) e as reflexões do próprio ensaísta. As imagens analisadas vão do retrato tradicional, pintado ou fotografado, nascido da aspiração de criar um testemunho da realidade, ao expressionismo abstracto, através do qual alguns artistas procuraram reagir emocionalmente ao mundo, não para o copiar nem para comunicar algo sobre ele, mas apenas para partilhar um impulso criativo. Entre esses dois extremos, encontramos quadros que utilizam elementos de cenários quotidianos como símbolos que os espectadores são convidados a interpretar, como num livro de enigmas. A escultura e a arquitectura também são incluídas, na medida em que dão realidade corpórea a ideias.
Alberto Manguel demonstra aqui uma profunda erudição, a qual lhe permite fazer inúmeras associações sem resvalar para uma linguagem hermética. E tem humildade suficiente para reconhecer que os exemplos apresentados se limitam à arte ocidental devido à sua ausência de conhecimento de outras culturas, justificando a selecção de imagens com base no acaso, na atracção pessoal e na suspeita de uma história interessante.
O livro é profusamente ilustrado e contém um índice remissivo, que facilita a consulta de informação quando desejarmos voltar a localizar um dos muitos factos interessantes nele referidos. Com efeito, uma vez que somos “espectadores de uma eterna exibição de imagens”, uma obra assim ajuda-nos não só a apreciar melhor a próxima visita a um museu mas, também, a decifrar melhor os estímulos visuais que nos rodeiam.
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