“Num bairro pequeno e central da cidade, há cinco mulheres que compram flores. A princípio, nenhuma o faz para si própria: uma compra-as para um amor secreto, outra para o seu escritório, a terceira para as pintar, uma outra para os seus clientes, e a última…para um homem morto.”
Eis a premissa que dá o ponto de partida para o terceiro romance de Vanessa Montfort. Passado no efervescente e cosmopolita Bairro das Letras, no centro de Madrid, e tendo como eixo central a forte amizade entre seis mulheres na casa dos quarenta anos, “Mulheres que Compram Flores” (Porto Editora, 2020) teria, à partida, todos os ingredientes para ser um “Sex and the City” em versão madrilena, mas acaba por ser muito mais do que isso.
A começar pela personagem central e narradora que, de Carrie Bradshaw, nada tem, sendo antes o arquétipo da anti-heroína – na apresentação online exclusiva que fez para os leitores de Portugal, a autora considerou a sua Marina uma das personagens mais desafiantes que já construiu.
Trata-se de uma jornada de auto-conhecimento, uma luta pela conquista da independência, uma epopeia dos tempos modernos que, seguindo a boa moda Camoniana, até começa “in medias res”, no meio do mar, com vista à “conquista” do estreito de Gibraltar, do leme da própria vida e da própria identidade. É na primeira pessoa que Marina, “de mar”, nos narra o caminho de pedras que teve de percorrer para conquistar o seu momento “crisálida”, soltando as amarras da própria existência.
Embalado pelo jazz de Nina Simone e as palavras dos grandes génios da literatura e do teatro, onde se inclui uma homenagem que, à época da sua escrita, não se sonharia póstuma a Luís Sepúlveda e ao seu “Velho e o Mar”, “Mulheres que Compram Flores” é também uma ode a Lope de Vega e a Cervantes, ou não fossem estes os moradores mais ilustres que alguma vez habitaram o Bairro das Letras, lugar onde se desenrola toda a acção.
Não sendo o típico romance, “Mulheres que Compram Flores” não deixa de retratar uma grande história de amor. Se a adolescência é a idade dos porquês, a chegada aos quarenta será a idade dos “e se”. Mas haverá realmente limite para o salto da “crisálida”, para desafiar os nossos limites e mudar? É essa a reflexão a que Vanessa Montfort nos convida, traçando um retrato acutilante e perfeitamente imperfeito dos desafios da mulher moderna, seja a “sofredora compulsiva”, a “eterna Copiloto” – sempre à boleia dos desígnios alheios -, a “Galatea” – que procura desesperadamente a sua juventude perdida -, a “Superwoman” – que procura sempre compensar as falhas dos outros na sua própria força – ou a “Omnipresente” – que luta para ser mãe e profissional de excepção sem deixar de ser mulher.
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