Conan Osiris compôs-lhes uma canção quebrada, uma certa Princesa escolheu Nokia para cognome e, agora, André Carrilho dedica-lhes um álbum ilustrado, com o belo título “A Menina com os Olhos Ocupados” (Bertrand Editora, 2020). Milagre tecnológico ou uma praga ao nível dos dentes-de-leão ou do bicho-da-fruta, a verdade é que os telemóveis estão para durar e provavelmente reinar, pelo que é importante começar desde cedo a estancar a alienação que por aí impera, fazendo do ecrã o Grande Irmão sonhado por George Orwell nesse incrível pesadelo literário.
Rei do cartoon político, André Carrilho tem colaborado com publicações respeitáveis como The New York Times, The New Yorker ou a Vanity Fair. Agora, depois de experienciar a sempre empolgante paternidade, aventurou-se no mundo da literatura infantil, trabalhando durante um ano num álbum que aborda a relação cada vez mais próxima das crianças com os telemóveis e a tecnologia, o que torna a missão parental mais talhada para um Tom Cruise ou uma Lara Croft dispostos a espairecer a adrenalina na educação da canalha.
Escrita em verso, esta é a história de uma menina com os olhos ocupados, vidrados, raiados e descaídos, tudo porque “andava sempre na rua; sozinha com a sua; cabeça colada ao telefone”. O mundo à sua volta explode em novidades e acontecimentos extraordinários, mas a fixação pelo pequeno ecrã faz com que vá perdendo algumas das coisas importantes que a vida oferece, como a amizade, barcos a flutuar, um elefante que gostaria de lhe dar um duche, um coro de golfinhos ou o primeiro contacto com uma civilização alienígena.
Por falar em alienígenas, as ilustrações de André Carrilho são de um outro planeta, com muito do estilo cartoon que o celebrizou, a que se junta uma mestria de técnica e invenção, seja no uso das cores, nas pinceladas carregadas ou em como inventa um animal, um fato de pirata, uma montanha-russa ou um verdusco extra-terrestre. Ou, ainda, no modo como retrata um dia de chuva, daqueles em que só nos apetece ficar em casa. As expressões de medo, espanto e outras estão igualmente um mimo, só nos restando desocupar os olhos e pedir sem vergonha: queremos mais, André!
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