A proximidade de um novo ano lectivo proporciona uma boa ocasião para comentar esta edição de “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll (Fábula, 2019), obra integrada no Plano Nacional de Leitura para 2017-2027 e recomendada para leitura autónoma no 2.º ciclo de escolaridade. A tradução do inglês é da responsabilidade da escritora Carla Maia de Almeida, que lida muito bem com os jogos de palavras que abundam no texto original e descreve, também, a génese da obra num excelente prefácio.
Recorde-se que o livro nasceu de uma narrativa contada pelo professor universitário Charles Dodgson (1832-1898) para entreter a filha de um amigo, a pequena Alice Liddell, durante uma viagem de barco, tendo sido publicada pela primeira vez em 1865 sob o pseudónimo Lewis Carroll. Daí advém a inclusão da criança na história e a sucessão de situações alucinantes com que se depara.
Como Carla Maia de Almeida nota, Alice foi precursora de uma série de heroínas juvenis irreverentes. De facto, desde que toma a decisão de se afastar da irmã, que lia na margem do rio, para seguir um coelho branco falante até um mundo fantástico, povoado por estranhas criaturas, Alice é tudo menos uma espectadora passiva dos acontecimentos. De aventura em aventura, até à revolta final contra a crueldade e a arbitrariedade da Rainha de Copas e do seu consorte – quando estilhaça o sonho e volta à realidade -, escolhe sempre o caminho a seguir, mesmo quando não sabe ao certo aonde quer chegar.
Em certos aspectos, o país das maravilhas não lhe parece diferente do mundo que conhece: “É incrível como estas criaturas gostam tanto de dar ordens e de pôr uma pessoa a repetir lições! É quase como estar na escola!”. Por outro lado, fica perplexa com as transformações a que se vê sujeita, até deixar de se reconhecer: “De manhã, quando acordei, pelo menos sabia quem era, mas acho que desde então devo ter mudado várias vezes”. Apesar de tudo, aprende a controlar a mudança e aceita-a, juntamente com todos os desafios com que se depara: “Quase me arrependo de ter descido pela toca do coelho… E, no entanto… no entanto… Este género de vida é muito interessante!”. E, posteriormente, declara: “Não vale a pena falar de ontem, porque nessa altura eu era uma pessoa diferente”.
Tal como outras obras escritas para um público juvenil, “Alice no País das Maravilhas” permite vários níveis de leitura e tem potencial para agradar a leitores de todas as idades. Obviamente, é possível ver aqui apenas uma série de absurdos. Como afirma a dado momento o Rei de Copas, “se não há qualquer significado, não temos de o procurar, e isso poupa-nos uma carga de trabalhos”. Todavia, tal como a irmã mais velha de Alice é influenciada pela narrativa do seu sonho, passando no final da história a ver o mundo de outra maneira, podemos deixar-nos envolver por ele e encontrar fantasia no quotidiano.
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