Diz-se que o poeta é aquele que, apesar de saber que a sua demanda nunca chegará a bom porto, dela não desiste até ao último suspiro. Em “Com Três Novelos (O Mundo dá Muitas Voltas)” (Planeta Tangerina, 2015), apesar de não haver por perto o vulto de qualquer poeta, há, contudo, a procura de uma demanda geográfica: a de encontrar um lugar mais livre e justo, onde todos os meninos possam ir à escola.
Baseada em factos reais, esta história – escrita por Henriqueta Cristina – é inspirada pela aventura de uma família portuguesa que, no final dos anos 60, fugiu à ditadura do Estado Novo para viver uma experiência de exílio em vários países – Argélia, Roménia e Checoslováquia -, não tendo porém encontrado, em qualquer um deles, o regime livre e justo pelo qual ansiava.
Neste 3 Novelos a história é-nos contada pela filha de uma família que, assombrada por palavras como ignorância, medo, guerra e prisão, decide partir para o exílio, deixando para trás um «país com muito sol, mas onde poucos meninos iam à escola.»
O país onde se instalam para começar uma nova vida é «muito arrumado e organizado», não existe pobreza e todos os meninos vão à escola. Da testa do pai desaparece a habitual ruga mas, a mãe – que sabia tudo sobre malha -, estranha que nas lojas apenas estejam à venda camisolas de três cores (e sempre em separado): cinzentas, verdes e cor-de-laranja.
Quando o pai observa as crianças a caminho da escola, marchando como um pequeno exército, uma pequenina ruga começa de novo a formar-se. O Inverno chega, as cores não mudam, a monotonia ameaça a sanidade, as saudades do sol, dos amigos, do país começam a tornar-se insuportáveis. Até que, enquanto fazia tranças no cabelo da filha, a mãe começa a desenhar um incrível plano de rebelião que, em vez de utilizar espingardas, tanques ou bombas, passa por usar três novelos e duas agulhas.
História sobre a liberdade e a eterna demanda na sua procura, “Com Três Novelos (O Mundo dá Muitas Voltas)” é, também, um incitamento à acção cívica, que se estende muito para lá de qualquer geografia.
Yara Kono – já há poucas palavras para descrever o seu magnífico trabalho – oferece novamente um festim de ilustração, com o seu olhar geométrico, um espírito arquitectónico, o uso de cruzes, círculos e do eterno jogo do galo, de letras, números e quadriculado, de falsas linhas de corte e fotografias reais, de rostos que se expressam entre a mais profunda alegria e a mais desoladora mágoa, além de uma forma muito própria de apresentar os objectos do quotidiano: árvores, faróis de carro, o sol e a lua.
Agulha-Vai, Agulha-Vem, o espírito de Abril mora decididamente nestas páginas.
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