Por aqui é devido a Pat Barker, a britânica autora de vários romances que têm sido distinguidos com os mais prestigiados galardões literários – entre eles o Booker Prize e o Guardian Fiction Prize – um pedido de desculpas. O desconhecimento quanto à sua obra, que tendemos a atribuir às parcas e longínquas edições anteriores de títulos que, por início deste século, não vingaram por cá, retardando a oportunidade de desfrutar do poder do seu relato, agora testemunhado em “O Silêncio das Mulheres” (Quetzal, 2020), um romance e um retrato da grande epopeia grega contra os troianos, qual Ilíada do século XXI.
O relato é pungente, com os campos de batalha, as cidades saqueadas, as atrocidades praticadas, os medos escondidos e os receios declarados, a sobrevivência alcançada e outras tantas vezes perdida, a dignidade escondida e ainda assim combatida, o amor furtivo e a sexualidade embrutecida – em suma, a selvática forma do homem dominar. Está cá tudo o que é preciso para conhecer a mitologia, a história e a natureza de dois povos com uma narrativa rica e sustentada, percebendo-se investimento, respeito e audácia no formato e no enredo, belíssima trindade para qualquer ensaio, seja qual for a sua pretensão literária.
Para além dos habituais e obrigatórios ingredientes num romance desta natureza – a força e os humores do grego Aquiles, guerreiro e herói no qual beleza e terror coexistiam como faces de uma mesma moeda; a dignidade e a resistência de Briseida, princesa troiana sequestrada e oferecida a Aquiles como troféu, escravizada e que, ainda assim, acaba por se afeiçoar aos sequestradores, qual Síndrome de Estocolmo a.c. -, há em Pat Barker a ousadia de dar protagonismo às vozes silenciadas dos subjugados.
Coadjuvando o enredo já conhecido de batalhas, conquistas, derrotas, barbaridades e resistência, há narrativas que dignificam personagens secundárias, peões que habitualmente secundarizam os reis, as damas, os poderosos e os vencedores. Aqueles que Pat Barker retira das sombras, dignificando-os e ancorando-os à vida e à história, dando luz à sua capacidade de superar as piores privações e desafios.
No final, fica a certeza de que a sobrevivência ocorrerá através da perpetuação da história e da cultura de um povo que, mesmo depois de dominado o último dos seus representantes, continuará representado na arte, nos sonhos e nos piores pesadelos não esquecidos, nos relatos mais reais ou mais romantizados.
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