“Tudo começa quando me convidam para ver um parto. Uma mulher que praticamente não conheço deixa-me vê-la a deitar ao mundo a sua segunda filha. Todos deveríamos ver partos, penso eu. Quero escrever um artigo sobre o assunto. Quero derrubar esses falsos mitos do nascimento asséptico com uma mãe lindíssima a pegar num bebé redondo e perfeito ao colo. Tenho trinta e um anos. Nunca pari e não sei se o quero fazer, ainda assim quero vê-lo. Nasci no sistema capitalista. Quero ter tudo, ver tudo, viver tudo. Não posso perder nada.”
Este é o início de “As Meninas-Prodígio” (Kalandraka, 2019), um romance grotesco, cru e parcialmente autobiográfico, que nos narra a vida de uma mulher com “ânsia de viver momentos espiritualmente potentes”. O romance centra-se nos pensamentos, memórias, detalhes de intimidade e desejos de uma mulher, que vive uma paixão insalubre por um homem muito mais velho.
Num ambiente que oscila entre o campestre, o bucólico e a cidade, acompanhamos as transformações inerentes ao crescimento: “A menstruação mudou-me as expressões. O rosto de esquilinho vivaz foi lentamente coberto por uma expressão de adolescente balofa”. A perfeição corporal era um objectivo a alcançar – “pernas firmes, braços colados ao corpo … pélvis para cima!” -, onde o corpo surge e se assume como símbolo da identidade do que é ser Mulher, independentemente da idade.
Ao longo das duzentas e sessenta e seis páginas, o leitor é conduzido pela voz feminina que questiona o mundo que a rodeia, e que se caracteriza pelas provocações, as emoções e a pansexualidade. Avançamos na leitura e conhecemos uma mulher que sente atracção sexual misturada com romantismo em relação às pessoas, independentemente do seu sexo ou da identidade de género.
Sabina Urraca nasceu no País Vasco espanhol, cresceu em Tenerife e vive em Madrid. Estudou Comunicação Audiovisual e exerceu profissões tão diversas como vendedora de seguros, empregada de mesa, guionista, repórter, criativa de televisão e publicidade, locutora e cortadora de marijuana. Actualmente é escritora e jornalista. Ganhou o Prémio Javier Morote da CEGAL com este livro.
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