Os tempos recentes têm sido bons para Darwin ou, pelo menos, para o reconhecimento da importância do seu legado, apresentando-o aos mais novos e recordando-o aos mais crescidos. Depois da publicação, em 2019, de “A Origem das Espécies de Charles Darwin”, onde Sabina Radeva explicava, através de textos e ilustrações bem catitas, a famosa teoria da evolução aos mais novos, a Gradiva publicou já este ano, na colecção de Banda Desenhada intitulada Descobridores, uma edição em dois volumes – e em formato álbum – dedicada a Charles Darwin.
Tendo como base os escritos do próprio Darwin cada álbum é, ainda assim e como escreve Christian Clot, “uma visão de autor”. Cada um dos álbuns tem, por isso, um dossier histórico preparado por Clot, que inclui alguns dos factos e ideias de Darwin que foram confirmados após o seu desaparecimento, apresentados sob a forma de um manual de história comprimido com mapas, gravuras, esquemas, ilustrações e fotografias.
A viagem de Clot começou quando, no Museu de História Natural de Londres, deu por si a observar “a imagem de um senhor idoso com rugas sérias, olhar distante, com a única nota um pouco alegre na larga barba branca. É o rosto de um sábio, de um pensador que leva aos ombros todo o peso do conhecimento, inacessível ao comum dos mortais”. Para Clot, no entanto, “a lenda esconde, no entanto, o homem que ele era”.
Darwin terá sido um jovem diletante que gostava de se divertir, mas também desde cedo obcecado com colecções, fossem elas de insectos, plantas ou pedras. Alguém que, movido pela curiosidade, procurava entender o seu lugar na natureza, conciliando a ciência com a forte religiosidade com que tinha crescido.
Foi o seu professor de ciências naturais que o recomendou como naturalista a bordo do Beagle, um navio que estava de partida para uma expedição científica que daria a volta ao mundo. Uma viagem transformadora e que esteve na origem dessa obra maior assinada por Darwin.
No seu trabalho de investigação, Chritian Clot diz ter ficado fascinado com o jovem Darwin: “descobri-lo tão humano quanto humanista; vê-lo tão apaixonado e pronto para defender com fervor as suas convicções; compreeder que era um homem dos sete ofícios, eclético antes de ser especialista”.
“A Bordo do Beagle” (Gradiva, 2019), o primeiro álbum, inicia-se a 30 de Janeiro de 1831. Com 22 anos, o jovem Darwin termina os estudos e parece estar destinado a seguir a carreira religiosa, acabando por embarcar a bordo do HMS Beagle, onde irá viver uma aventura de cinco anos que mudará por completo a sua visão do mundo, levando-o à dúvida e ao questionamento: “O que estou a descobrir aqui é a luta pela sobrevivência. Como se cada espécie tivesse de conquistar o seu lugar em detrimento de outra. (…) Porquê esta guerra de sobrevivência entre seres que ele próprio cria?”.
No lançamento de “A Origem das Espécies” (Gradiva, 2019), Christian Clot mostra a sua surpresa quando, em 2016, leu um artigo sobre o regresso do criacionismo nos Estados Unidos, o que mostra que, mesmo numa época em que os instrumentos científicos são suficientemente evoluídos para demonstrar a validade das leis da evolução, se assiste a “um regresso aos princípios ensinados numa época em que as ciências da natureza se encontravam num estado incipiente e eram apenas praticadas por homens da igreja. Também se poderia pôr em causa a gravidade. Mas ninguém se arrisca a isso. Será por ser claramente visível que se alguém se lançar de uma falésia cai, ao passo que os princípios genéticos da selecção natural dificilmente são visíveis a olho nu?”.
Aqui o calendário situa-se em 1836, ano que marca o regresso a Inglaterra do HMS Beagle após cinco anos a correr os mares do mundo. Acompanhamos as dúvidas de Darwin sobre a publicação do seu ensaio, os constantes adiamentos, a busca de um perfeccionismo que, à luz da época, nunca poderia ser provado na totalidade – bem como a promessa que teria feito ao comandante do navio. A verdade é que, a partir do momento em que “A Origem das Espécies” foi publicada, em 1859, com a “ideia de uma evolução lenta, de uma ausência de determinismo e de um humano que não estaria no cume da pirâmide, sem falar do questionamento do criacionismo, perturbou muitos cientistas e teólogos”. Sem o saber, Darwin acabava de mudar a face do mundo.
Sem Comentários