Questionado sobre a forma como descreveria “A Ordem Mágica” (G. Floy, 2020), Mark Millar falou num cruzamento entre The Sopranos e Harry Potter, uma descrição que assenta, na perfeição, a esta banda desenhada que está, de caras, entre os mais sérios candidatos a livro do ano no que ao universo dos quadradinhos diz respeito.
No prefácio, António Solina diz tratar-se de uma banda desenhada histórica. Afinal, trata-se da primeira série a ser produzida directamente pelo gigante Netflix, que tratou de adquirir a Millarworld – a editora criada por Mark Millar.
Sobre Olivier Coipel, responsável pela arte, Solina diz ser “um dos artistas europeus mais apreciados nos Estados Unidos, e um verdadeiro ´campeão` do lápis”. Alguém que soube pegar nas palavras de Millar e criar uma “atmosfera esotérica e nocturna, que alterna cenários urbanos e horrores antigos”. Tudo conferido, os desenhos são realmente incríveis, com o traço do lápis a dominar a cena.
“Vivemos num mundo de ciência e lógica. Não é uma coincidência”. São estas as primeiras palavras de “A Ordem Mágica”, que nos mostra um mundo onde feiticeiros e mágicos tratam de manter toda a gente em segurança, num serviço público que nada lhes traz mais do que o manto da invisibilidade. Mas isto apenas à noite, uma vez que durante o dia mantêm a fachada de comuns mortais.
A história está centrada nos Moonstones, uma das cinco famílias que fazem parte d`A Ordem Mágica, composta por um agregado familiar bem diverso: Leonard, o patrono, um ilusionista que vai assegurando a tradição de haver sempre um Moonstone em palco no Palace desde 1885 – e que, no seu entender, não tem a quem passar o testemunho; Cordelia, autora de ensinamentos importantes como “nunca pôr vodka nos cereais quando já não se tem leite” – e que, entre muitas outras coisas, é escapologista; o Tio Edgar, fechado no Castelo Moonstone há uma porrada de anos, um lugar apenas acessível por convite – e situado num local bastante improvável de ser descoberto pelos inimigos; Regan, proprietário de uma das discotecas da moda; e Gabriel, que depois da morte da filha por um descuido seu arrumou a varinha e decidiu enveredar por uma vida pacata e sem feitiços.
O assassinato de Eddie Lisowski, um dos mágicos da Ordem, vem provar que há um assassino que pretende eliminar os mágicos um a um, tomando A Ordem Mágica de assalto – tal e qual Voldemort quis fazer em Hogwarts. Todas as suspeitas recaem sobre Madame Albany, que usa todos os meios ao seu alcance para pôr as mãos no Oricalco, o livro que contém os mais negros feitiços da velha Atlântida, e que foi reforçado ao longo da história por sacrifícios humanos – e que, é preciso dizer, não pode ser destruído.
Mark Millar mistura de forma magistral o fantástico com o imaginário da luta de gangues, tratando de imprimir um ritmo brutal a uma história a que não falta um retrato de uma família disfuncional – todas as famílias são psicóticas, já o dizia Douglas Coupland – e twists que são autênticas montanhas-russas. A juntar a tudo isto ainda nos brinda com um assassino profissional de nome O Veneziano, uma Câmara da Alma, a Cerimónia da Varinha Quebrada ou um Horológio – um cronóvoro que entrou no mundo em 1641 e comeu a maior parte do mês de Outubro. Mark Millar did it again.
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